Hoje temos o privilégio de receber Andrea D. Morales, autora de "Divinas: Mitologia, poder e energia feminina", uma obra que já está se consolidando como um marco na literatura sobre mitologia e empoderamento feminino. Publicado pela Buzz Editora, o livro nos leva a uma jornada fascinante pelo universo das deusas mais icônicas da história, explorando suas narrativas e o impacto profundo que continuam a exercer nas culturas e religiões ao redor do mundo.
Com uma abordagem sensível e poderosa, Morales destaca figuras mitológicas de diversas tradições, como Sarasvati, Morrigan, Minerva e Mawu, revelando o potencial dessas histórias de inspirar, transformar e fortalecer a conexão das mulheres contemporâneas com sua própria energia e sabedoria. Na entrevista de hoje, vamos nos aprofundar na criação do livro, nas inspirações de Andrea e na importância de revisitar essas histórias femininas em um mundo em constante transformação.
Vamos descobrir o que motivou a autora a mergulhar tão profundamente no universo das divindades femininas, explorar o Poder Feminino Ancestral e como ela vê o poder dessas histórias na vida das mulheres de hoje. Seja bem-vinda, Andrea!
Ana Soáres - O que te inspirou a escrever sobre deusas da mitologia mundial e destacar o poder feminino?
Andrea D. Morales
Quando criança, eu era apaixonada por mitologia. Acho que é o primeiro contato que temos com o campo de estudo da História, a forma mais fácil de acessá-la quando somos pequenos e também a mais atraente. Não é estranho que a maioria dos historiadores tenha começado por aí, sendo apaixonados pela mitologia grega, romana ou egípcia. Sempre soube que, se tivesse a oportunidade de trabalhar com mitologia, eu o faria. Seja por meio de uma reinterpretação ao estilo de Madelline Miller ou Natalie Haynes, ou fazendo algo de não ficção, como "Divinas". Então, quando o momento chegou e me apresentaram este projeto, no qual convergiam alguns aspectos interessantes (mitologias além das mais conhecidas e feminismo), agarrei-o com força e dei esse pequeno gosto à Andrea do passado.
Ana Soáres - Como foi o processo de pesquisa para trazer figuras de culturas tão diversas em "Divinas"?
Andrea D. Morales
Na verdade, foi um processo mais complicado do que imaginei no início, justamente porque há culturas e civilizações às quais não foi dedicado o mesmo interesse por parte dos estudiosos, então temos poucos dados e informações. Foi muito fácil acessar mitologias como a grega, romana, egípcia e nórdica. Elas foram muito estudadas e tratadas em diferentes formatos, então eu só precisava ir a qualquer biblioteca (pública ou da universidade) e pegar os livros necessários. Autores como Apolodoro estão ao alcance de qualquer um. No entanto, mitologias como a fon, a inuit e a havaiana, e até a asteca, foram um grande desafio. Os registros são escassos, há incongruências e muitas versões que podem causar confusão. Mas isso também faz parte do charme da mitologia: as diferentes versões que contam a mesma história.
Ana Soáres - Existe alguma deusa com a qual você sinta uma conexão especial? Se sim, qual e por quê?
Andrea D. Morales
Não acho que me conecte com uma deusa específica. No fim, todas essas divindades foram escolhidas por possuírem traços e características que são comuns a nós, então é fácil se identificar com praticamente todas em alguma faceta, seja virtude ou defeito. No meu caso, sinto que tenho essa paixão pelo estudo e pelas artes de Minerva, mas também o desejo de liberdade de Ártemis, a necessidade de perfeição e autoridade de Ereshkigal, e a proteção às pequenas criaturas, própria de Taweret.
Ana Soáres - O que você espera que as leitoras aprendam ou sintam ao ler seu livro?
Andrea D. Morales
Espero que este livro seja um lugar seguro para todas elas, onde se sintam confortáveis e em paz, um lugar ao qual possam voltar quando as coisas se complicarem lá fora, nesse mundo hostil e abusivo. Quero que se vejam refletidas nas deusas e em suas histórias, em sua grandeza e em suas preocupações, em seus sucessos e desamores, e que descansem nessas vivências compartilhadas para, assim, se rearmarem de coragem e força e enfrentarem o mundo exterior.
Ana Soáres - Como a mitologia feminina pode influenciar as mulheres modernas a se conectarem com sua própria força?
Andrea D. Morales
O primeiro passo é nos reconhecermos no que já fomos. Sempre insisto que conhecer o passado nos permite compreender o presente. No caso da mulher, considero isso muito importante, pois desde tempos imemoriais existiu um modelo específico, uma divisão que nos separou em duas categorias: a "mulher má" e a "mulher boa". Ereshkigal seria uma mulher má. Pele seria uma mulher má. Minerva, casta e virgem, seria uma mulher boa. E Ártemis, casta e virgem, também seria uma mulher boa. Podemos romper com esse molde, decidir que não o queremos e que nunca nos encaixamos nele, que somos muito mais do que isso. Porque não existe a "mulher boa" e a "mulher má". Somos simplesmente mulheres, com nossas virtudes e defeitos, e nos aceitamos como somos.
Ana Soáres - Que papel você acha que a mitologia desempenha na construção de identidades e na reflexão sobre o poder feminino ao longo da história?
Andrea D. Morales
A mitologia faz parte da cultura e, portanto, ajuda a construir e moldar a sociedade. É um fato que a religião é algo identitário. E, embora seja verdade que em algumas partes do mundo a mitologia se perdeu ao passar de uma religião politeísta para uma monoteísta, também é verdade que os antigos deuses e deusas foram herdados. O que foi concebido sobre a mulher na antiguidade ainda é percebido hoje. Temos o fantasma da beleza de Vênus, e ainda acreditamos que há um ideal de beleza que se aproxima do que se pensava ser Vênus. Temos o fantasma da curiosidade de Pandora e ainda dizemos às meninas que não devem ser curiosas. E o fantasma da pureza de Ártemis e Atena, e tentamos preservar a honra das mulheres.
Ana Soáres - Em que aspectos da vida dessas deusas as mulheres podem se inspirar para enfrentar desafios cotidianos?
Andrea D. Morales
Em todos. Como mencionei, os deuses e deusas são quase uma representação do ser humano. Uma menina que discute diariamente com seus irmãos pode se ver refletida em Pele, a deusa havaiana dos vulcões e do fogo. Uma menina que não quer seguir o caminho que seus pais impuseram, mas sonha com algo diferente, pode encontrar força em Ártemis, que preferia viver nas florestas do que no Olimpo. As deusas enfrentam problemas cotidianos que podemos aplicar às nossas vidas.
Ana Soáres - Como foi o seu processo de imersão nas diferentes culturas e religiões abordadas no livro?
Andrea D. Morales
Foi um processo lento e complicado. Aqui no Mediterrâneo, herdamos a cultura greco-latina, então estamos muito familiarizados com a mitologia grega e romana, mas as outras culturas são mais distantes. Quando você se aprofunda na mitologia de outra sociedade, precisa assumir que não pode julgar as crenças do passado ou do presente. A mitologia é cultura, é religião, tudo está conectado. A religião é algo muito delicado e pessoal. Deve ser tratada com cuidado e respeito.
Ana Soáres - Em que momento da sua vida você percebeu o impacto dessas figuras femininas poderosas em moldar nossa visão sobre força e sabedoria?
Andrea D. Morales
Isso é evidente. Nós nos alimentamos do passado. Hoje em dia, fazemos constantes referências à mitologia, usamos expressões religiosas no nosso cotidiano sem perceber. Por exemplo, quando uma mulher é muito bonita, comparamos com Vênus ou Afrodite. Ainda estamos conectados aos deuses e deusas, mesmo que inconscientemente.
Ana Soáres - Para futuras escritoras interessadas no tema, que conselhos você daria em relação à pesquisa e à criação de narrativas mitológicas?
Andrea D. Morales
Sobre pesquisa, eu diria para ler muito e consultar fontes confiáveis, aqueles estudiosos que dedicaram anos de suas vidas ao estudo dessas civilizações. Quanto à criação de narrativas, eu diria para aproveitarem a ficção, que oferece inúmeras possibilidades para reimaginar essas histórias. Podemos trazer novas perspectivas, como fazem Madeline Miller ou Natalie Haynes, e resgatar figuras femininas esquecidas da mitologia.
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