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Lino Villaventura revisita 50 anos de carreira em exposição no Museu da Fotografia de Fortaleza

  • Foto do escritor: Renata Freitas
    Renata Freitas
  • 19 de set.
  • 5 min de leitura

Estilista paraense radicado no Ceará, Lino Villaventura celebra trajetória marcada por ousadia, identidade autoral e impacto cultural na moda brasileira e internacional.


Lino Villaventura em exposição no Museu de Fotografia de Fortaleza (reprodução/instagram @linovillaventura)
Lino Villaventura em exposição no Museu de Fotografia de Fortaleza (reprodução/Instagram @linovillaventura)
Eu pensei: vou fazer o que eu quero, da maneira que eu quero. Vou fazer com a minha originalidade, com a minha identidade”, relembra o estilista Lino Villaventura sobre o início de sua carreira.

Quase cinco décadas depois, o criador comemora sua trajetória com uma exposição inédita no Museu da Fotografia de Fortaleza, que reúne registros de desfiles icônicos, imagens de grandes fotógrafos e 23 peças de seu acervo. A exposição, com curadoria de Denise Mattar e montagem de Guilherme Isnard, aberto ao público desde 16 de julho e segue até 19 de outubro, reafirmando o lugar do estilista como um dos grandes nomes da moda autoral no Brasil.

Lino, em entrevista ao programa Pause, do canal O Povo, fala sobre weareable art "arte vestível" – moda ou joalharia feita à mão, concebida como arte expressiva ou fina, que se afasta das tendências comerciais para criar peças únicas, pessoais e visualmente cativantes, usando o corpo como suporte para a expressão artística, fundindo moda, arte e design – e seu período de experimentação em desfiles e colaborações. Seu estilo atraiu clientes improváveis e nomes icônicos. Carmen Mayrink Veiga, ícone da elegância no Brasil, tornou-se cliente e amiga. Tomie Ohtake e até Ruth Cardoso vestiram suas criações em momentos marcantes. Villaventura consolidou-se como referência justamente por recusar concessões ao fast fashion:

Eu nunca pensei em fazer moda para ficar milionário. Pensei em viver, viajar e trabalhar com dignidade. Meu trabalho é para vestir, mas pode ser também uma obra artística.”
Lino Villaventura em exposição no Museu de Fotografia de Fortaleza (reprodução/Instagram @linovillaventura)

Apesar de utilizar-se do conceito para descrever seu trabalho, confessa que tem questionado se tal conceito é, de fato, apropriado às suas criações, pois suas peças são feitas a partir do corpo humano e para seus usos e movimentos; não acredita em roupas usadas - ou não usadas - como obras de arte inalcançáveis em museus e penduradas na parede, usando o exemplo de uma querida amiga, que comprou uma saia para deixá-la pendurada como um lindo quadro. Na contramão das produções de moda eurocêntricas, nos mostra um conceito muito bem empregado na moda brasileira. Nossa genuína Alta Costura, entre rendas, bordados, crochês e manualidades, nossa moda se pretende acessível e disponível aos corpos, como deve ser. Também se mostra sustentável em suas origens, pois o reaproveitamento e reutilização de materiais faz parte de nossa cultura, que muito nasce da escassez de recursos, também longe dos padrões eurocêntricos do luxo pela ostentação de riquezas sem contexto, apenas como afirmação de uma certa superioridade material.

Apesar desse posicionamento em distinguir obra de arte de suas roupas, é inegável sua produção pela perspectiva artística intuitiva. Em todo seu discurso, fica claro que foi apenas a partir da Arte que seu trabalho foi reconhecido e lhe abriu tantas portas, o que chamamos de Moda Autoral ou Conceitual, já nascendo sem pretensões na década de 70 em Fortaleza.

Quando perguntado sobre quem gostaria de vestir, Lino reforça a ideia de que sua moda é para todos, desvencilhando-a novamente da ideia elitista, em que a única coisa que importa é que a pessoa entenda e goste do seu trabalho. Quanto ao seu perfil preferido de clientes, é aquele em que confia no seu trabalho e na sua capacidade criativa de transformar ideias abstratas trazidas pelos clientes em produtos finais admiráveis. Já o cliente mais desafiador, para o estilista, é aquele que chega com fotos e muitas referências atrás de uma reprodução, impossibilitando o exercício de seu ofício artístico.

Lino Villaventura em exposição no Museu de Fotografia de Fortaleza (reprodução/Instagram @linovillaventura)


Sua história com a moda começou em 1975, quando Lino, então estudante de engenharia, criou com a irmã um colete bordado para presentear Inês, que se tornaria sócia e companheira de vida. A peça, que estará na exposição, foi o ponto de virada: “Nunca tinha feito nada. Mas achei incrível o resultado e todos ao redor também. Ali começou tudo”.

Nos anos 1980, Lino rompeu barreiras ao apresentar coleções no Rio, São Paulo, Osaka, Paris, Viena, Lisboa, Santiago e até na República Tcheca, tornando-se o primeiro estilista brasileiro a exportar moda para o Japão. Seu trabalho chamou a atenção por unir técnicas artesanais, bordados minuciosos, nervuras e materiais inusitados – como escamas de peixe desidratadas.


Lino Villaventura em exposição no Museu de Fotografia de Fortaleza (reprodução/instagram @linovillaventura)
Lino Villaventura em exposição no Museu de Fotografia de Fortaleza (reprodução/Instagram @linovillaventura)

Conhecido por transformar desfiles em experiências sensoriais, o estilista sempre apostou no impacto teatral: da música cuidadosamente selecionada por Felipe Venâncio ao movimento das modelos em cena. Um episódio ficou célebre quando a energia caiu em pleno desfile e só se ouvia o som dos saltos na passarela: “As pessoas acharam que era proposital, como uma percussão. Foi inesquecível.” Ao refletir sobre a relevância da moda nacional, Lino é categórico:

O mundo espera da moda brasileira originalidade. Foi isso que sempre me abriu portas: apresentar algo que só podia nascer aqui.
      Lino Villaventura em exposição no Museu de Fotografia de Fortaleza (reprodução/instagram @linovillaventura)
Lino Villaventura em exposição no Museu de Fotografia de Fortaleza (reprodução/Instagram @linovillaventura)

Seus desfiles e criações ajudaram a consolidar o espaço da moda autoral brasileira no cenário internacional, abrindo caminho para novas gerações. Agora, aos 73 anos, o estilista demonstra energia e inquietude criativa: “Eu gosto de viver. Continuo curioso e interessado. A moda me fez ver que eu sou capaz e me deu encontros e oportunidades que jamais teria de outra forma.” Com 47 anos de carreira e prestes a completar meio século de trajetória, Villaventura prefere a celebração diária:

Eu comemoro todos os dias por ter feito o trabalho que eu quis, do jeito que eu quis.

É então que surge essa exposição fotográfica, em celebração ao seu legado, que nos diz muito sobre a Alta Costura brasileira e, ainda mais, sobre nossa riqueza cultural. Entre as peças em exibição estão o colete, a primeira costurada por ele 1975 e modelos recentes desfilados no São Paulo Fashion Week. A exposição cruza imagens ampliadas, vídeos e um traje interativo para intensificar a experiência sensorial das criações, que misturam tecidos tecnológicos com bordados manuais. Além de uma réplica do figurino dourado para o show “Bloco na Rua”, de Ney Matogrosso, criado pelo estilista, e o vestido original usado por Taís Araújo no Festival de Cannes. Dispondo 23 looks emblemáticos de quatro décadas de trajetória e 12 fotógrafos de gerações e estilos diferentes: Bob Wolfenson, Cecília São Thiago, César Duarte, Cris Vidal, Debby Gram, Fernanda Calfat, Gentil Barreira, Hick Duarte, Miro, Patrícia Devoraes, Rogério Cavalcanti e Trípoli. Interpretam suas peças em montagens surpreendentes, onde se pode comprovar a Moda como mais uma linguagem artística, dentre tantas possíveis, em que roupas e fotografia se entrelaçam. E nos prova, mais uma vez, que além de não devermos nada à moda europeia, é possível que ainda tenhamos muito a ensinar.

Taís Araújo no Festival de Cinema de Canes vestindo Lino Villaventura
Taís Araújo no Festival de Cinema de Canes vestindo Lino Villaventura (reprodução/Instagram @linovillaventura)

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