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A responsabilidade da Arte e da Moda em momentos de crise

  • Foto do escritor: Renata Freitas
    Renata Freitas
  • há 8 horas
  • 5 min de leitura

Quando falamos de moda periférica, o discurso precisa ser coerente com a prática ou a representatividade estética é o suficiente?


O silêncio da Moda diante do massacre
O silêncio da Moda diante do massacre (reprodução/instagram @carolbberto)

Em tempos de crise, autoridades de Estado, pessoas públicas, celebridades e artistas são chamados a manifestar suas opiniões publicamente, para que se posicionem a favor ou contra tais acontecimentos. E, se possível, que tragam soluções imediatas! Mas e a Moda, como fica nessa equação? No dia 28 de outubro, a cidade do Rio de Janeiro sofreu o impacto de uma das maiores chacinas do país, entre o Complexo do Alemão e o Complexo da Penha. Eventos como este não são novidade na cidade, a violência faz parte do cotidiano carioca, como em muitos centros urbanos. Mas quando o governo chama de megaoperação bem-sucedida à morte de mais de cem pessoas e o estado de terror que se instaurou em vários pontos simultaneamente, é preciso refletir sobre nosso papel na comunicação responsável.


Com o avanço das mídias e redes sociais como principais mediadoras entre afetos e relações sociais, apenas a comunicação assertiva dos chefes de governo e especialistas não parece ser suficiente para apaziguar os ânimos da população. Seja pela fragilidade dos métodos de averiguação da verdade em tempos de fake news ou pela democratização dos poderes de influência para a opinião pública, a demanda por posicionamento em momentos de tensão nunca esteve tão alta.


Questionamento feito pelo jornalista de moda Rener Oliveira
Questionamento feito pelo jornalista de moda Rener Oliveira (reprodução/instagram @reneroliveira)

Agora, além das celebridades e grandes artistas - que já sofriam essa pressão popular em tempos de televisão como principal mídia de comunicação de massa - qualquer pessoa com alguns milhares de seguidores, que exerça alguma influência em sua bolha, precisa trazer a solução imediata para todos os problemas do mundo. Mas, e as marcas de moda, como se enquadram nessas exigências? Elas podem manter o status quo da superficialidade que paira sobre essa produção cultural humana ou devem assumir lados e participarem do debate?


Não seria justo exigir que pessoas que não participam das decisões governamentais assumam a responsabilidade direta por esses episódios de abuso de poder, para dizer o mínimo. Em seu perfil do Instagram, a rapper Ebony compartilhou um vídeo falando sobre as cobranças diárias que recebeu, exigindo seu posicionamento sobre a chacina que aconteceu no último dia 28 de outubro. Ela fala sobre a injustiça dessa cobrança para artistas, principalmente aqueles que vivem essa violência diariamente e sofrem com as consequências desses horrores. A rapper contou que, enquanto recebeu uma mensagem no X pedindo posicionamento, estava lendo a mensagem da mãe de um amigo que mora na região atingida e estava desaparecido. Lembrou, ainda, que é uma cobrança desnecessária, já que seu trabalho é o seu próprio posicionamento político, basta ouvir suas músicas para entender suas ideias.


A comunicadora Carol Berto em manifestação nas redes sociais
A comunicadora Carol Berto em manifestação nas redes sociais (reprodução/instagram @carolbberto)

A sociedade civil é responsável pelo seu voto que, em teoria, elege os representantes mais adequados para os interesses coletivos. Na prática, sabemos que não é assim que funciona. Há muitos fatores que determinam os resultados das eleições e o voto é apenas um deles. Mas quando essas pessoas se tornam públicas e conquistam o pequeno poder de influenciar outras pessoas e comunidades, também precisamos falar sobre a responsabilidade desses discursos.


 Muitos rappers e outros artistas se manifestaram imediatamente, como as irmãs Tasha e Tracie, que abriram um diálogo importante com seu público, explicando de forma didática como as narrativas midiáticas e de representantes do Governo foram direcionadas para a alienação da população. Além de repreenderem os próprios fãs que ouvem Rap, mas não entendem sobre o que aquelas letras estão dizendo: violência policial, racismo estrutural e vivências marginalizadas e moda periférica.

Rener Oliveira fala sobre as tendências e suas problemáticas em seu perfil
Rener Oliveira fala sobre as tendências e suas problemáticas em seu perfil (reprodução/instagram @reneroliveira)

Quando pensamos trazemos essa discussão para a Moda e seus influenciadores, estamos falando em sua maioria de influenciadores de consumo. Aqueles que fazem unbox de incontáveis "recebidinhos", toda semana exibem peças da última tendência do momento, cada dia obedecem aos códigos de vestimenta de um "core" diferente, recebem milhares para fazer propagandas de grandes marcas ou uma porcentagem dos cupons de desconto usados por seu público. Geralmente, o consumo excessivo é estimulado pois é daí que sai, também, a renda desses influenciadores. Atuam, basicamente, como vendedores de marcas.


Há, também, aqueles que se colocam como representantes de certas estéticas e estilos de vida, em que a moeda de troca é a identificação e pertencimento gerados em seu público, trazendo o retorno de engajamento e monetização de suas redes sociais. Aqui, vivência e produção de imagens muitas vezes estão bem distantes, o que importa é a performance.


Esse questionamento se torna ainda mais urgente quando há marcas de moda que lucram a partir dessas apropriações culturais. Desde grandes marcas já consolidadas a pequenas marcas que estão começando e querem surfar no "hype", sem qualquer responsabilidade. A estética da favela, o Brazilcore e outras tendências quentes do momento que se utilizam dos estilos, das músicas e das culturas surgidas desses territórios cresceram exponencialmente dentro e fora do país. Até marca de luxo, como a Paco Rabanne, apropriaram-se dessa estética, produzindo uma campanha de um novo produto na praia, nas vielas e no baile funk, retratando a rotina do favelado carioca. Foi fotografado por uma fotógrafa local e contou com moradores e dançarinos, o problema é que essas mesmas pessoas que tiveram suas imagens usadas e seus pares, possivelmente não conseguiriam comprar facilmente esses produtos comercializados a partir de suas vivências.


Campanhas de marcas de luxo que se apropriaram da estética da favela (reprodução/instagram @reneroliveira)

Carol Berto, Stylist, comunicadora e mentora em posicionamento de marcas, trouxe essa reflexão urgente em seu perfil do Instagram, com o título de "O silêncio da moda diante do massacre":

"Enquanto o Rio de Janeiro enterra mais de 120 pessoas, o setor que lucra com a estética da favela continua em silêncio. Amoda brasileira aprendeu a usar o corpo preto e favelado como referência criativa, mas se recusa a encarar esse mesmo corpo como sujeito político. Quando a favela é tema de desfile, é exaltação. Quando é alvo de fuzil, é silêncio. O silêncio da moda é escolha, e toda escolha comunica. A marca que fala de diversidade e exclusão, mas se cala diante do genocídio, revela que seu compromisso é apenas estético, nunca ético. As grandes marcas se aproximam da favela quando precisam parecer "reais", "quentes" e "atuais". Mas na hora de redistribuir protagonismo, elas somem. Não contratam, não citam, não se posicionam. O problema não é a estética da favela esta na moda. O problema é a favela não estar no poder. É ver sua cultura transformada em capital enquanto sua gente continua sendo morta."
A comunicadora Carol Berto em manifestação nas redes sociais (reprodução/instagram @carolbberto)
A comunicadora Carol Berto em manifestação nas redes sociais (reprodução/instagram @carolbberto)

Em última instância, políticos e agentes de Estado responsáveis pela criação de políticas públicas são os representantes simbólicos da cultura hegemônica. Não adianta fazer campanha, reafirmar posicionamento político nas redes sociais e votar naqueles candidatos que apresentam o melhor discurso. Para que as políticas públicas mudem, a cultura hegemônica precisa mudar. E cabe a cada um de nós, principalmente aqueles que se colocam como comunicadores, fazermos parte dessa mudança de narrativas, entendendo a responsabilidade de cada discurso.

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