Morre Francisco Cuoco: o ator que vestiu a alma do Brasil
- Da redação
- 19 de jun.
- 4 min de leitura
Da novela ao teatro, da glória à intimidade da arte, a trajetória de Francisco Cuoco é um espelho sensível do país que ele encenou. Um adeus ao mestre que fez do ofício um legado cultural inapagável.
"Não foi à toa. Foi baseado em empenho, em entrega, em busca de igualdade." — assim definiu sua própria trajetória, dois meses antes de partir, Francisco Cuoco, o eterno galã da televisão brasileira.
O ator faleceu nesta quinta-feira (19), aos 91 anos, em São Paulo, após cerca de 20 dias internado no Hospital Albert Einstein. A causa da morte não foi divulgada pela família.
Morando com a irmã Grácia, que o acompanhava nos cuidados diários, Cuoco enfrentava limitações de mobilidade e uma infecção decorrente de ferimento agravado pela idade. A morte encerra uma das carreiras mais longevas e emblemáticas da teledramaturgia nacional.
Um galã que desafiava estereótipos
Francisco Cuoco ficou eternizado como o grande galã das décadas de 1970 e 1980, com performances em novelas como Selva de Pedra, O Astro e Pecado Capital. Mas seu brilho não estava só na aparência — e sim na profundidade de suas construções. Cuoco foi o primeiro a demonstrar que um protagonista masculino podia ser, ao mesmo tempo, desejado, contraditório, ético e falível.
Foi um dos primeiros atores a transitar com autoridade entre os papéis populares e os densos personagens do teatro. Em cena, era Hamlet e era também o homem comum da Zona Norte. Era o jovem idealista e o patriarca calejado. Francisco Cuoco era, essencialmente, múltiplo.
Das feiras do Brás aos palcos com Fernanda Montenegro
Nascido em 1933 no tradicional bairro do Brás, reduto de imigrantes italianos em São Paulo, Cuoco foi feirante antes de se formar na Escola de Arte Dramática da USP. Sua estreia no teatro foi em 1958, sem falas, como um gladiador morto ao lado de Fernanda Montenegro e Sérgio Britto. No ano seguinte, integrou o Teatro dos Sete, referência de vanguarda na cena brasileira.
Raízes profundas na cultura popular
Cuoco estudou Direito antes de se entregar à arte dramática nos anos 1960. Seu talento logo foi reconhecido por autores como Janete Clair e Dias Gomes, com quem fez parcerias emblemáticas na televisão.
Nas novelas, seus personagens se tornaram parte da educação sentimental do país. Em O Astro (1977), Cuoco deu vida a Herculano Quintanilha, o vidente que desafia os ricos e os poderosos — um ícone da crítica social travestida de folhetim.
"Eu ouvia minha avó falando dele como quem fala de um primo, de um vizinho… Cuoco atravessou gerações como uma memória afetiva nacional", conta Rafaela Pinho, jovem estudante de Artes Cênicas da PUC/RJ.

O teatro como refúgio e reinvenção
Apesar do estrelato na TV, Cuoco nunca abandonou os palcos. Protagonizou montagens como O Jardim das Cerejeiras (Tchékhov) e A Gaivota, e mais tarde se dedicou a espetáculos autorais e a dramaturgias contemporâneas.
Foi no teatro que Cuoco também acolheu novas gerações de atores, tornando-se mentor de intérpretes LGBTQIAPN+, negros e periféricos, mesmo antes da palavra “inclusão” ganhar protagonismo na indústria cultural.
O galã das massas
Cuoco construiu sua identidade artística como o galã charmoso, de voz rouca e olhar sedutor. Foi Carlão, o taxista de Pecado Capital (1975), e Herculano Quintanilha, o charlatão de O Astro (1977), ambos marcos da era de ouro da Globo, escritos por Janete Clair. Com Regina Duarte, protagonizou "Selva de Pedra" (1972), outro fenômeno de audiência. Atuou também em "O Outro" (1987), vivendo dois personagens simultaneamente.
O homem por trás do mito
Fora dos palcos, Francisco Cuoco foi discreto. Pouco afeito a escândalos, falava com ternura da família, das plantas que cultivava no apartamento e da solidão como aliada da criação. Nos últimos anos, mantinha um perfil mais reservado, mas sempre se pronunciava sobre temas que julgava inegociáveis — como a defesa da democracia, da liberdade artística e da valorização da cultura nacional.
Seus últimos trabalhos na televisão foram uma aparição especial em Salve-se Quem Puder (2020), onde interpretou a si em cenas gravadas pouco antes do início da pandemia. Posteriormente, fez uma breve participação na série cômica No Corre (2023), exibida pelo Multishow, dando vida ao personagem Seu Lauro — um mestre de caratê que recorre a Jackson Faive (vivido por Marco Luque) em busca de sorte na loteria, mas acaba sendo alvo de uma pegadinha armada pelos motoboys.
Cuoco vive: memória, obra e identidade
A morte de Francisco Cuoco não é um fim. É uma vírgula na história do teatro brasileiro. Sua obra pulsa nos corpos de atrizes e atores que se levantam hoje com coragem e verdade. Ecoa nos roteiros ousados que tentam reimaginar o Brasil. E vibra, sobretudo, na memória coletiva de um país que, por vezes, esquece dos seus mestres — mas que, vez ou outra, sabe homenageá-los em grandeza.
Nos bastidores da arte brasileira, sempre haverá alguém dizendo: "Cuoco faria assim..."
Onde conhecer mais sobre Francisco Cuoco:
Tributo – Francisco Cuoco (Globoplay & TV Globo)
O episódio da série documental Tributo foi exibido em 6 de junho de 2025, celebrando a carreira do ator com depoimentos emocionantes de grandes nomes da dramaturgia brasileira, como Betty Faria, Renata Sorrah e Selton Mello. Disponível no streaming desde junho de 2025, o documentário dirigido por Matheus Malafaia e Marcos Nepomuceno traça um panorama íntimo e afetivo da trajetória do ator, com direção de arte de Antonia Pradoto.
Reprodução/Instagram
Família e despedida
Cuoco deixa três filhos: Rodrigo, Diogo e Tatiana — esta última, residente em Londres, conseguiu visitá-lo no hospital, quando ele já não estava consciente. Nos últimos meses, o ator assistia à televisão na companhia da irmã e cuidadoras, cada vez mais retraído.
Convidamos você a refletir:
Quantos mestres da arte brasileira ainda precisam ser reconhecidos em vida? E mais: o que estamos fazendo, enquanto sociedade, para preservar nossa memória cultural viva?
A cortina se fecha para Francisco Cuoco, mas o palco da cultura brasileira jamais será o mesmo sem ele.
Veja a seguir a repercussão:
Regina Duarte, atriz, no Instagram
Miguel Falabella, ator, no Instagram
Walcyr Carrasco, dramaturgo, no Instagram
Margareth Menezes, cantora e ministra da Cultura, no X
Nathália Timberg, atriz, no Instagram
Fernanda Montenegro, atriz, no Instagram
Selton Mello, ator, no Instagram

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