O futuro da Moda foi discutido no Rio Ethical Fashion 2025, maior fórum de moda sustentável e ética da América Latina
- Renata Freitas

- 21 de out.
- 6 min de leitura
Museu do Amanhã recebe a 6ª edição do maior fórum de moda sustentável e ética da América Latina, reunindo criadores, pensadores e agentes de transformação.
No coração do Rio de Janeiro, o Museu do Amanhã se tornou, mais uma vez, o epicentro da discussão sobre o futuro da moda. Em 9 de outubro de 2025, o espaço futurista acolheu a 6ª edição do Rio Ethical Fashion (REF), o maior fórum de moda sustentável e ética da América Latina. Sob o tema “Modas, materiais e narrativas para o futuro”, o evento reafirmou sua vocação de unir arte, tecnologia, meio ambiente e responsabilidade social em uma mesma passarela de ideias.

Criado e dirigido pela pesquisadora e curadora Yamê Reis, o REF nasceu em 2018 com o propósito de transformar a forma como o Brasil pensa e produz moda, estimulando o diálogo entre estilistas, pesquisadores, comunidades tradicionais e grandes marcas. Em 2025, o evento consolidou seu papel como ponte entre inovação e ancestralidade, discutindo desde a bioeconomia da Amazônia até a transição energética e a circularidade dos materiais. A programação contou com mais de 30 palestrantes nacionais e internacionais, distribuídos em painéis temáticos, keynotes e rodas de conversa. Entre os destaques internacionais, o designer holandês Ronald van der Kemp, pioneiro da alta-costura sustentável com sua marca RVDK, compartilhou sua experiência na criação de coleções inteiramente feitas de resíduos têxteis. Em vídeo, Constanza Cavalli Etro, fundadora dos Latin American Fashion Awards, discutiu o papel da América Latina na moda ética global, enquanto Orr Yarkoni, CEO da Colorifix, apresentou inovações biotecnológicas para tingimento sem poluição.

Do lado brasileiro, a diversidade de vozes foi uma marca da edição. Day Molina, estilista indígena e fundadora da NALIMO, falou sobre o entrelaçamento entre identidade ancestral e design contemporâneo. Carol Barreto, professora da UFBA e pesquisadora em gênero e feminismo, trouxe reflexões sobre os desafios da inclusão racial e de gênero na cadeia produtiva da moda. Já Francisca Vieira, CEO da Natural Cotton Color, destacou o potencial da agricultura familiar e dos biotecidos do Nordeste como alicerces de uma economia regenerativa. Entre os temas mais debatidos estiveram a circularidade dos resíduos têxteis, a bioeconomia como caminho para a regeneração e o papel das comunidades tradicionais na sustentabilidade real. Nilva da Cunha de Lima, presidente da COPASFE e seringueira amazônica, emocionou o público ao relatar como o manejo comunitário da borracha natural preserva a floresta e sustenta famílias locais. Ao seu lado, Renato Imbroisi (Instituto IRI) defendeu a valorização do artesanato como eixo da economia criativa.

A discussão sobre inovação e tecnologia foi conduzida por Camila Zelezoglo (ABIT) e Kamila Merle (SEBRAE), que mostraram o crescimento das startups verdes no setor têxtil. Eduardo Ferlauto, diretor de sustentabilidade da Lojas Renner, apresentou o papel das grandes empresas na transição para modelos de produção limpa, enquanto Victoria Santos (Instituto Clima e Sociedade) analisou o impacto do setor industrial na crise climática global. Outros painéis abordaram a moda como ferramenta de transformação social e cultural, com participação de Alessandra Orofino, diretora da Peri e co-host do podcast Calma Urgente, Julia Vidal, educadora e pesquisadora em etnias brasileiras, e Zinzi de Brouwer, fundadora do Studio Palha, que trouxe a perspectiva afro-diaspórica sobre design e ancestralidade.
Mais do que um evento de moda, o REF 2025 foi uma plataforma de pensamento. O diálogo entre bioeconomia, inovação e cultura reafirma a ideia de que o futuro da moda passa pela integração entre estética e ética, uma moda que, além de vestir, cuida e comunica. Na visão de Yamê Reis, “moda é cultura, e a sustentabilidade é um compromisso ético com o planeta e com as pessoas”. Essa síntese se materializa na curadoria do evento, que reuniu desde lideranças indígenas até executivos de grandes corporações, passando por designers independentes, pesquisadores e ativistas ambientais.

Já, dentre as discussões iniciais, uma importante noção nos é despertada: e-commerce reforça o fenômeno de entendermos que a roupa só surge como um passe de mágica em casa a partir de sua entrega. O que reforça a necessidade de questionar e dar visibilidade aos processos de produção dos tecidos, das roupas, das condições de trabalho e todos os ciclos que envolvem essa indústria. E lembrar a relevância da Moda na produção de cultura e nas relações sociais, pois é uma interseção entre o individual e o coletivo, em que unem as possibilidades de individuação e expressão pessoal, enquanto carrega as marcas de sua ancestralidade, sua história familiar e comunitária, de um povo, desde o surgimento das primeiros hominídeos.
É importante ressaltar que a Indústria têxtil é uma das que mais impactam a economia brasileira, já que possui quase todo o seu ciclo produzido internamente, empregando milhões de brasileiros e arrecadando milhões de reais por ano. Em sua fala, Alessandra Orofino, vendo a Indústria da Moda de fora — como frisou sua posição em relação às outras participantes de seu painel que trabalham diretamente com moda — trouxe a indispensável perspectiva de que essa indústria é uma das poucas que sustentam a reflexão sobre seus métodos e a autocrítica de forma sistemática, a partir de seus trabalhadores pelo bem da coletividade, tornando-a uma liderança nas discussões sociais, de trabalho, tecnológicas e de inovação.
Painel no Rio Ethical Fashion 2025 (arquivo pessoal)
Para além desses dados alarmantes, também é importante trazer a Moda em seu contrapondo, onde esta se faz instrumento importante de mudanças sociais e econômicas concretas. Carlos Lopes, Coordenador de projetos socioambientais da VEJA, Marca de tênis produzidos de forma sustentável, apresenta seu case de trabalho in loco, diretamente com as comunidades extrativistas de mulheres seringueiras. Nilva da Cunha, presidente da cooperativa COPASFE, também esteve presente no mesmo painel, confirmando a transformação comunitária importantíssima que uma única Marca conseguiu fazer na vida de muitas famílias, chegando para o incentivo que deveria ser proporcionado pelo Poder Público, reconhecendo o trabalho indispensável dessas mulheres para a cadeia produtiva brasileira Nilva afirma que essas famílias saíram de um regime de trabalho exploratório, trocando a mão de obra por comida e moradia, para um regime de remuneração justa e autonomia de produção na extração da borracha.
Outro exemplo importante de inovação partindo da iniciativa privada, veio da Francisca Vieira, idealizadora da Natural Cotton Color. Juntando-se a 3 outras marcas, investiu mais de R$1 milhão de reais em inovações tecnológicas para a extração dos caroços da pluma de algodão de sua produção, o que totaliza 60% do peso total do produto, inviabilização a logística de transporte e manipulação para a produção têxtil. Além de contribuir para a inovação da indústria têxtil brasileira, contribuiu para o desenvolvimento da economia local a partir da gestão desses resíduos de produção. Os caroços, ricos em proteínas, são destinados à alimentação de gado e transformados em óleo orgânico de algodão, através dos agricultores familiares, remunerando-os justamente. Capacitou, também os jovens da região, para a manutenção desses maquinários, proporcionando-os autonomia e novas possibilidades profissionais.

Carol Barreto, referência em produções intelectuais em Moda brasileira tradicional e ancestral, traz em sua tese o Modativismo, como método de produção em Moda e currículo acadêmico a ser desenvolvido na Universidade Federal da Bahia. Em sua fala, lembra que é essencial entender Moda como pertencimento e o produzir moda como saber ancestral e coletivo. Pensarmos a Moda Brasileira é entendermos que se trata de um trabalho em comunidade, como proposta de diálogos e conservação de tradição, em sua natureza, contrapõe-se aos saberes hegemônicos do surgimento da moda e Alta-Costura europeia.
Carol cita Bell Hooks, ao lembrar dos corpos socialmente marginalizados e do poder que podem carregar estando nas margens. Quando entendemos que ocupar posições centrais na produção de saberes hegemônicos, é assumir uma postura de já saber tudo o que há para saber, tomando sua existência e experiência como regra universal, onde tudo é possível e está dado, e não há a necessidade de movimento e o esforço de reflexão para a mudança. É nesses corpos à margem que reside a possibilidade de radicalização a partir desses movimentos e reflexões, apropriando-se de seus espaços como potentes. “A mão cria o que reverbera no corpo inteiro”, explica Carol Barreto. A autora lembra, ainda, da responsabilidade desses profissionais na criação artística, onde se deve pensar como negociar o segredo de seus saberes sagrados com respeito, reverência e referência, através do estudo das metodologias tradicionais do Design. Destacando a importância das manualidades e de seus trabalhadores, e incentivando a criatividade para trazer à consciência coletiva a valorização desses processos complexos e as consequências da cultura do hiperconsumismo.

Apesar dos esforços daqueles que mais lucram para manter o status quo de inacessibilidade e, contraditoriamente, superficialidade dessa indústria, há que se divulgar esses dados e trazer à compreensão coletiva as relações complexas que envolvem essas produções, em suas variadas vertentes. Desde as revistas de looks comentando despretensiosamente looks de celebridades, os programas de tv ditando regras de vestimenta, os influenciadores criando receitas para se vestir para o sucesso, até o deserto do Atacama afogado em resíduos têxteis e às condições análogas à escravidão de trabalhadores dessa indústria, todos impactam profundamente a vida humana na Terra. Seja no campo individual, influenciando a autoimagem, posições sociais e oportunidades de emprego; ou no campo coletivo, transformando países do eixo sul em lixões das indústrias internacionais bilionárias, afetando diretamente o Clima em vários processos de produção, contribuindo para a cultura do hiperconsumismo e alienação, e expondo milhões de trabalhadores a condições sociais e de trabalho deploráveis, não há como negar a urgência de trazer essas discussões para a coletividade, como políticas públicas.











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