O jogo sujo da influência digital no Brasil
- Da redação
- 8 de ago.
- 4 min de leitura

Enquanto você perde, eles lucram. E ainda posam de heróis.
O Brasil acorda hoje diante de um escândalo que escancara uma ferida aberta — não só na legislação, mas na moral de uma geração que confunde fama com credibilidade e transforma a miséria do outro em capital, um verdadeiro '\zcs zx02
ogo sujo'. A Operação Desfortuna, deflagrada nesta quinta-feira (7) pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, revelou o que muitos já desconfiavam, mas poucos queriam encarar: há influenciadores digitais lucrando diretamente com a falência financeira e emocional dos seus seguidores.
Com nomes que somam quase 35 milhões de seguidores, os alvos da investigação usavam seu alcance para promover o infame "Jogo do Tigrinho" — um caça-níquel virtual camuflado de passatempo fácil, mas que opera como uma máquina de triturar esperança, dívidas e dignidade.
“Alguns influenciadores ganham por valor fechado, segundo o número de postagens; outros ganham naquilo que ficou conhecido como ‘cláusula da desgraça alheia’, onde levam um percentual a partir da perda dos seus apostadores que se cadastram na plataforma com os links divulgados por eles”, denunciou o delegado Renan Mello, da Delegacia de Combate às Organizações Criminosas e à Lavagem de Dinheiro (DCOC-LD).
O brilho dos cifrões, o rastro das ruínas
De acordo com a polícia, R$ 4,5 bilhões movimentaram essa engrenagem doentia nos últimos dois anos. Um dinheiro que financiou jatinhos particulares, mansões em condomínios de elite, viagens para destinos internacionais e carros de luxo. Tudo isso, enquanto milhões de brasileiros afundavam em promessas de lucro fácil — embaladas por vídeos com trilha sonora animada e frases como “é só saber a hora de parar” ou “jogo todo dia e ganho sempre”.
A verdade? Quem ganha é quem te fez jogar.
“Eles têm um padrão de vida elevadíssimo, com ganhos muito acima do plausível para a atividade que exercem”, cravou o delegado.
E enquanto os mandados de busca eram cumpridos nesta manhã, alguns influenciadores ainda estavam promovendo o Jogo do Tigrinho em suas redes sociais. Como se nada estivesse acontecendo. Como se a polícia fosse um detalhe. Como se o dinheiro falasse mais alto que qualquer senso de responsabilidade social.
A face sedutora da destruição
O caso escancara uma realidade incômoda: a influência virou mercadoria. E a consciência, moeda descartável. Na era das redes sociais, não é o conteúdo que importa, mas o engajamento. E se o caminho mais curto para isso é usar a própria audiência como isca para jogos de azar, que assim seja. Afinal, quem se importa com o estrago que fica depois?
“Pessoas que mostram padrões luxuosos e que ludibriam os seus seguidores com uma finalidade pura e simples de ganância, sem o menor compromisso com a saúde financeira dos seus fãs”, reforça Mello.
Quem são eles? Os rostos por trás dos números
A lista de investigados na Operação Desfortuna parece um hall da fama distorcido da internet brasileira. Juntos, somam dezenas de milhões de seguidores — muitos deles jovens, muitos ainda menores de idade.
Entre os nomes mais conhecidos estão:
Bia Miranda (9,7 milhões de seguidores)
Paola Ataíde (6 milhões)
Gêmeas Paola e Paulina na Cidade da Polícia — Foto: Reprodução/TV Globo Paulina Ataíde (4,4 milhões)
Maumau é preso em flagrante — Foto: Reprodução/TV Globo Maumau ZK (3,5 milhões) — que foi preso em flagrante com uma arma.
Na casa de Maumau, Mauricio Martins Junior, a polícia encontrou uma arma e munição — Foto: Reprodução Jenny Miranda, Tailane Garcia, Nayala Duarte, Vanessinha Freires, entre outros.
No final da manhã, Paola e Paulina, conhecidas como as gêmeas influencers, chegaram à Cidade da Polícia acompanhadas de uma advogada. Permaneceram em silêncio. Mas seus perfis, até o momento da publicação, seguiam no ar. Bonitos. Editados. Monetizados.
A armadilha legal que virou terra fértil para golpes
Até dezembro de 2023, jogos de azar como o Jogo do Tigrinho eram ilegais no Brasil. Com a aprovação da Lei 14.790/23, que autorizou casas de apostas digitais (mas ainda proíbe caça-níqueis físicos), o caos jurídico se instalou. Na brecha da lei, cresceram aplicativos como o Fortune Tiger, promovidos à exaustão por influencers que vendiam uma ilusão como se fosse investimento.
E mais: os sites que hospedam esses jogos, muitas vezes sediados fora do Brasil, dificultam ou simplesmente impedem o saque dos valores prometidos. Ou seja, mesmo quando o jogador acerta, não leva.
“O problema é que esses jogos, na maioria esmagadora das vezes, não entregam chances reais de ganho, e as pouquíssimas vezes que os apostadores acertam, eles não conseguem retirar os seus lucros”, explica Mello.
O algoritmo é cúmplice?
Um ponto ainda mais inquietante: as plataformas digitais têm responsabilidade?
Como é possível que conteúdos promovendo jogos de azar, com links de cadastro e promessas explícitas de ganho rápido, circulem livremente — mesmo quando direcionados a públicos vulneráveis?
Por que o Instagram, o TikTok e o YouTube continuam monetizando esses perfis?
Silêncio. Ou, pior, uma “política de uso” que raramente é aplicada com justiça.
Influência sem freio: o novo faroeste digital
O escândalo revela não só um esquema criminoso — mas um modelo de internet que premia a irresponsabilidade, normaliza a ostentação e transforma fraudes em oportunidades de lucro.
Vivemos em uma era em que “influencer” virou profissão. Mas onde está o código de ética dessa profissão? Quem regula o poder de persuasão sobre milhões? Quem responde quando um adolescente de 17 anos aposta o dinheiro do aluguel da mãe por acreditar num vídeo editado com emojis de foguete e som de cassino?
A resposta, por enquanto, é: ninguém.
Afinal de que lado você está na roleta?
A “cláusula da desgraça alheia” não é só um termo jurídico. É um espelho.
Mostra o quanto estamos dispostos a normalizar a exploração em nome do entretenimento. E o quanto aceitamos o silêncio cúmplice, desde que o feed esteja bonito.
Em uma sociedade onde fama vale mais que caráter, quem paga a conta somos todos nós — com a credibilidade das redes, com o psicológico das vítimas, com a falência moral de uma geração inteira que aprendeu que o sucesso é mensurado em curtidas, não em consequências.
Você ainda segue essas pessoas? Ainda compartilha os vídeos? Ainda confia em quem transforma aposta em lifestyle?
Talvez seja hora de perguntar: quem te influencia... e para onde?
Comments