Rio lamenta a morte de José Caruzzo Escafura, o Piruinha, o mais velho da antiga cúpula do jogo do bicho, figura icônica da história carioca e personagem central do samba.
Por Ana Soáres para Revista Pàhnorama

O Rio de Janeiro, com sua alma vibrante e marcada por histórias que mesclam contravenção, cultura popular e resistência, se despediu nesta quarta-feira (22) de um dos seus personagens mais emblemáticos. José Caruzzo Escafura, o Piruinha, morreu aos 94 anos, encerrando um capítulo importante da narrativa das contravenções cariocas e de sua ligação com o samba e a comunidade.
Piruinha, que começou a vida como motorista de lotação na década de 1950, conquistou um espaço singular na história do jogo do bicho, um sistema de apostas profundamente enraizado no cotidiano do Rio. Dono de uma trajetória que se entrelaçou com o samba, a contravenção e a cultura popular, ele gerenciou bancas em regiões como Piedade, Cascadura, Abolição e Inhaúma, chegando a exercer grande influência em bairros históricos da cidade.

Embora sua vida tenha sido cercada por controvérsias, como prisões por formação de quadrilha e processos por crimes mais graves, Piruinha também era uma figura de destaque no cenário cultural, sendo reconhecido por sua irreverência e por seu papel na comunidade do samba. Proprietário do Sambola Show, na Abolição, ele transformou o espaço em um ponto de encontro para sambistas, tornando-se um aliado próximo das escolas de samba e um nome carinhosamente lembrado por comunidades inteiras.
Homenagens de Agremiações e o Carinho Popular
Diversas escolas de samba, como Império Serrano, Portela, Grande Rio e Arranco do Engenho de Dentro, lamentaram a perda de Piruinha, destacando seu papel como figura querida e referência. O Império Serrano destacou: “Seu Zé sempre esteve conosco nos momentos mais desafiadores. Sua ausência será profundamente sentida.”
Já a Portela, escola com a qual Piruinha mantinha laços estreitos por meio de sua família — seu filho Luís Carlos Escafura foi ex-presidente e seu neto, Junior Escafura, é vice-presidente —, publicou uma nota oficial se solidarizando com a família.
“É impossível desvincular o nome de Piruinha do samba. Ele era um amante da nossa arte e um pilar da comunidade”, destacou a Grande Rio, em uma postagem nas redes sociais.
Uma Vida de Glórias e Contradições
Além de sua atuação no jogo do bicho, Piruinha ganhou notoriedade ao participar da série documental Vale o que Está Escrito, do Globoplay, que detalha os bastidores da contravenção e sua relação com o carnaval. No documentário, ele falava com orgulho de sua trajetória, de seus 19 filhos e de sua vida polêmica, marcada por altos e baixos.
Mesmo após ser condenado pela juíza Denise Frossard na década de 1990, ao lado de outros banqueiros do jogo, Piruinha continuou a exercer influência no cenário carioca. Sua pena, inicialmente de seis anos, foi reduzida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e ele foi liberado após cinco anos de detenção.
Em seus últimos anos, Piruinha enfrentou problemas de saúde, incluindo uma pneumonia recente. Após receber alta hospitalar, voltou para casa, mas não resistiu.
Um Legado Controverso, Mas Inapagável
A história de Piruinha é um reflexo das contradições de uma cidade onde cultura, crime e resistência se misturam. Ele foi, ao mesmo tempo, símbolo de uma prática marginalizada e ícone de uma época em que o jogo do bicho financiava o carnaval e o futebol, dois pilares da identidade brasileira.
Seu velório será realizado no Sambola Hall, na Abolição, Zona Norte do Rio, um espaço que sintetiza sua ligação com o samba e com a comunidade. O lugar promete ser um ponto de encontro de amigos, familiares e admiradores, todos reunidos para prestar uma última homenagem a esse personagem controverso, mas inegavelmente marcante.
Reflexão Final: O Jogo do Bicho e o Futuro do Carnaval
A partida de Piruinha reacende discussões sobre o impacto da contravenção no financiamento da cultura no Rio de Janeiro. Em um momento em que escolas de samba enfrentam dificuldades financeiras, a memória de figuras como ele reforça a complexa relação entre tradição e ilegalidade.
O Rio perdeu Piruinha, mas seu legado — tanto no jogo quanto no samba — permanecerá vivo nas memórias de uma cidade que, com todas as suas contradições, é movida pela paixão e pela resistência, e será lembrado como um dos últimos representantes de uma geração que moldou, à sua maneira, parte da história carioca.
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