O tempo é agora: Ivan Lins faz 80 anos e canta como se fosse a primeira vez
- Ana Soáres
- há 1 dia
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Entre sambas, jazz e revoluções sutis, um dos maiores compositores brasileiros comemora oito décadas de vida com uma turnê histórica, álbuns inéditos e a mesma inquietação de quem nunca deixou de ouvir o mundo ao redor.

Na contramão do silêncio que muitas vezes chega com a idade, Ivan Lins canta. Aos 80 anos, celebrados nesta segunda-feira, 16 de junho, ele não só canta — compõe, grava, dirige, ensaia e sonha. E canta com a força de quem já entendeu que arte é urgência e permanência, que música é documento e afeto, que envelhecer é, também, libertar-se do peso e mergulhar com mais leveza naquilo que se acredita.
Em julho, ele estreia uma turnê comemorativa que passeia por seus 55 anos de carreira e aponta para um futuro cheio de novidade: discos, documentário, biografia e a reinvenção de canções que nunca envelhecem. É o tempo presente cantando o passado e sussurrando o amanhã.
“Não paro de trabalhar. Tenho umas 50 canções guardadas lá em casa, esperando o dia certo de nascerem”, revela o cantor, com aquele brilho nos olhos de quem sempre teve pressa de viver — e nunca se cansou de recomeçar.
Do engenheiro químico ao cronista musical do Brasil
É curioso pensar que Ivan quase foi engenheiro de fábrica. Com um diploma em Engenharia Química e a pressão familiar nas costas, ele fez entrevistas de emprego quando já tinha duas músicas estouradas nas rádios. Uma delas era "Madalena", na voz imortal de Elis Regina. A outra, "O amor é meu país", ecoava nos festivais e nos protestos surdos da juventude em plena ditadura.
O momento decisivo veio quando, ao fim de uma entrevista numa fábrica de cimento, o próprio presidente da empresa lhe pediu um autógrafo. Ali, Ivan compreendeu que seu caminho era outro. A engenharia que ele exerceria seria emocional, melódica, nacional.
Ivan Lins: um artista que nunca foi só dele
Quem canta para o mundo precisa primeiro ouvir sua aldeia. Nascido na Tijuca, filho de militar, suburbano “da gema”, Ivan encontrou no piano um território de liberdade e expressão. Sua música navegou entre o samba e o jazz, o forró e a MPB, os palcos brasileiros e os aplausos internacionais. De George Benson a Diana Krall, de Ella Fitzgerald a Sting, o mundo aprendeu a pronunciar “Ivan Lins” com reverência.
Mas nada foi fácil. Compositor de mensagens cifradas durante os anos de chumbo, Ivan e seu parceiro Vitor Martins foram a voz de quem precisava dizer muito sem dizer tudo. “Bandeira arriada, folia guardada pra não se usar”, dizia "Abre-alas", de 1974, num tempo em que cantar era resistir. E resistir era perigoso.
Turnê, filhos no palco e sambas inéditos: Ivan vive o agora
A nova turnê de Ivan Lins — que estreia no Vivo Rio em 26 de julho e segue por São Paulo e outros estados — é dirigida por Cláudio Lins, seu filho, também ator e cantor. A produção é assinada por João Lins, outro filho, ao lado do veterano Carlos Costa. É um espetáculo de memórias, sim — mas também de encontros, de revisões e de afetos.
Além de clássicos como "Dinorah, Dinorah", "Vitoriosa" e "Lembra de Mim", o show traz canções novas, como "Meninos de Gaza", parceria com Simone Guimarães, que transforma dor em denúncia poética. A faixa homenageia crianças palestinas em tempos de guerra e omissão. A arte, mais uma vez, como farol.
“São meninos que o vento estremece / E o som reverbera / Com a imagem nas ruas / Seus nomes nas preces...” — trecho da nova canção.
As participações especiais ficam por conta de Fafá de Belém e Leila Pinheiro — duas vozes que traduzem a alma brasileira em timbres diferentes, mas igualmente intensos.

Os projetos que ainda virão: o futuro é fértil
Ivan planeja lançar, ainda este ano, um álbum com sambas revisitados, em dueto com Zeca Pagodinho, Xande de Pilares, Diogo Nogueira, Péricles, Ferrugem e Mart’nália. Um reencontro com a raiz que sempre atravessou sua obra. Também virá um álbum de inéditas — o primeiro desde 2012 — e um documentário já em produção, além de uma aguardada biografia.
Tudo isso feito em ritmo próprio, com o mesmo rigor que sempre pautou sua caminhada.
“A maturidade me trouxe leveza e me ensinou a tirar as pedras das costas. A saída é buscar cada vez mais gentileza, mas sem fechar os olhos”, reflete Ivan.
Uma ponte entre gerações
Ivan tem se aproximado de artistas jovens como Maria Gadú e o rapper Xamã, renovando não apenas o público, mas também o seu próprio repertório. Ele entende que a arte é um fluxo — e, como tal, precisa de corrente, de troca, de reinvenção.
Aos 80, ele já não quer provar nada. Mas quer seguir dizendo tudo. Com notas e versos, com parcerias e silêncio, com palco e casa. Ivan Lins não é só um nome: é um capítulo da história cultural brasileira escrito com emoção, lucidez e compromisso.
E agora, Ivan?
Ivan Lins canta o Brasil de ontem e de hoje. E, talvez, cante o Brasil de amanhã. Entre a sensibilidade melódica e o olhar social que sempre teve, seu legado é mais do que canções premiadas: é o poder de traduzir sentimentos coletivos com beleza e inteligência.
Quando perguntado sobre o que deseja deixar como marca, ele não hesita:
“Quero cantar as coisas bonitas da vida. É isso que quero deixar.”
E deixa. Deixa muito. Deixa tudo.
Reflita. Cante.
Porque Ivan Lins é patrimônio vivo. E quem canta com o coração, nunca envelhece.
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