Oruam: entre o peso do sobrenome e o direito à liberdade
- Ana Soáres
- há 4 dias
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O Brasil adormece hoje com mais um episódio que escancara as fissuras entre justiça, seletividade penal e a forma como o Estado enxerga corpos periféricos e vozes que ecoam da quebrada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina, nesta sexta-feira (26), a soltura de Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, o rapper Oruam, de 25 anos, após 66 dias de prisão preventiva.
A decisão, assinada pelo ministro Joel Ilan Paciornik, atende ao habeas corpus da defesa, que contestava a fragilidade dos argumentos utilizados para mantê-lo encarcerado. O ministro foi taxativo: a fundamentação para a prisão era “insuficiente” para justificar a chamada segregação antecipada.
A prisão e os crimes imputados
Oruam foi preso em 22 de julho, durante uma operação da Polícia Civil no Rio de Janeiro. No inquérito, aparecem acusações de tráfico de drogas, associação para o tráfico, resistência, desacato, dano, ameaça e lesão corporal. A polícia alega que o cantor e outros suspeitos tentaram impedir o cumprimento de um mandado contra um adolescente, apontado como segurança de chefes do Comando Vermelho.
O detalhe que atravessa o caso: Oruam é filho de Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, um dos nomes mais temidos e conhecidos do crime organizado no Brasil, preso em regime federal. O peso desse sobrenome parece ecoar não apenas nas manchetes, mas também no modo como a Justiça e a opinião pública o enxergam.
O que disse a defesa
A defesa reforçou que o artista é réu primário, sem antecedentes criminais, e que se apresentou voluntariamente à Justiça. Isso pesou na decisão do STJ, que também estabeleceu medidas cautelares alternativas para que Oruam responda ao processo em liberdade.
“Prender preventivamente sem fundamentação clara é antecipar a pena. É punir antes do julgamento”, afirma um dos advogados, em entrevista a veículos nacionais.
Oruam: Justiça ou seletividade?
O caso Oruam expõe um debate que vai muito além do destino de um jovem rapper. Ele coloca sob holofote o modo como a seletividade penal atua no Brasil. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024), 63% da população carcerária do país é formada por pessoas negras, em sua maioria jovens e moradores de periferias.
Casos semelhantes de artistas e influenciadores ligados ao mainstream raramente têm desfechos tão duros em fase inicial de investigação. O contraste não passa despercebido por analistas de segurança pública e por defensores de direitos humanos.
O que vem pela frente
A decisão do STJ não encerra o processo. Oruam continua réu e será julgado pelas acusações. O que muda é o palco: ele agora poderá se defender em liberdade, fora das grades de Bangu, onde esteve por mais de dois meses.
Enquanto isso, sua carreira, interrompida por uma prisão contestada, volta a respirar. E sua imagem — marcada pela herança de um sobrenome pesado e pela narrativa de criminalização da juventude preta e periférica — passa a simbolizar também um grito por justiça.
Refletindo
O caso de Oruam é mais do que uma disputa judicial: é um espelho. Ele nos obriga a perguntar se o Brasil está julgando os fatos ou os estigmas; se as grades erguidas ao redor de certos corpos são jurídicas ou sociais.
Talvez a grande questão seja: quem tem o direito de errar, se defender e recomeçar — e quem já nasce condenado antes mesmo do primeiro julgamento?
Essa resposta, como sempre, diz mais sobre o país do que sobre o acusado.