Por que Pix e 25 de março estão no alvo do governo de Trump
- Shayla Silva
- 31 de jul.
- 3 min de leitura
Investigação dos EUA contra o Brasil mira sistema de pagamentos do Banco Central, comércio popular e até redes sociais — e reacende tensão comercial entre os países
O governo dos Estados Unidos anunciou, no dia 15 de julho, a abertura de uma investigação comercial contra o Brasil. A medida, comunicada oficialmente pelo USTR (Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos), intensifica a escalada de tensões entre os dois países e pode abrir caminho para novas retaliações comerciais — lembrando que o tarifaço, com imposição de 50% sobre importações de produtos brasileiros, já havia sido declarado pelo republicano.
O objetivo da investigação é apurar se políticas ou práticas comerciais brasileiras têm prejudicado, ou restringido, o comércio com os EUA. Mas o que chamou mais atenção foi o conteúdo do documento, mais especificamente dois alvos: o Pix e o centro de compras da Rua 25 de Março, em São Paulo, dois símbolos fortes, ainda que por motivos bem distintos, da realidade brasileira.
Pix na mira das big techs e de Washington
Na seção sobre “comércio digital e serviços eletrônicos de pagamento”, o documento norte-americano afirma que o Brasil “parece adotar práticas desleais”, com favorecimento a serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo. Embora o Pix não seja citado nominalmente, o USTR faz referência clara ao sistema gratuito criado pelo Banco Central, que já é amplamente usado no Brasil por cidadãos, empresas e até pelo setor financeiro tradicional.
O governo brasileiro reagiu com indignação. “Trump está preocupado com o meio de pagamento que um país adota, que é abraçado por todos, pela população, pelas empresas, pelo sistema financeiro, que é o Pix. É inacreditável algo dessa natureza”, declarou o ministro da Casa Civil, Rui Costa, no dia seguinte ao anúncio da investigação.
Especialistas apontam que a insatisfação pode vir da perda de espaço de grandes empresas americanas de tecnologia, as chamadas big techs, e das tradicionais bandeiras de cartão de crédito, que são norte-americanas. Com a criação do Pix, a dependência dos brasileiros em relação a essas empresas e suas soluções de pagamento diminuiu significativamente. Esse seria o motivo do descontentamento do presidente dos EUA que levou o pix diretamente ao alvo da Casa Branca.
25 de Março e o embate sobre pirataria
Outro ponto polêmico da investigação diz respeito à Rua 25 de Março e arredores, tradicional polo comercial de São Paulo. No documento, o USTR descreve a região como “um dos maiores mercados de produtos falsificados” do mundo, e afirma que as operações policiais não têm sido suficientes para combater a pirataria.
No entanto, essa não é a primeira vez que a área aparece na mira de Trump. Desde o início do ano, o governo dos EUA já havia incluído a 25 de Março ao lado do Brás, da Galeria Pagé e da Feira da Madrugada, em um relatório sobre pirataria, que também incluia centros comerciais em países como Argentina, Rússia e Tailândia.
A União de Lojistas da Rua 25 de Março (Univinco) debateram a investigação. Em nota, representantes da associação afirmaram que a maioria dos comerciantes atua dentro da legalidade, paga impostos e gera empregos. Segundo os lojistas, é injusto que todo o comércio da região seja tratado como irregular por práticas isoladas de pirataria.
No dia 18 de julho, comerciantes se reuniram em uma para protestar contra a investigação dos EUA. O ato foi convocado pelo Sindicato dos Comerciários de São Paulo (Secsp). Por outro lado, a Univinco não apoiou a manifestação por considerar que ela não contribui para resolver o impasse diplomático.
Outros itens que estão na mira da investigação
A investigação dos EUA também se estende a outros itens, como o Etanol de produção brasileira. O USTR acusa o Brasil de abandonar o acordo de isenção de tarifas que promovia o comércio bilateral do etanol, impondo tarifas injustas sobre o etanol estadunidense. Isso teria causado uma forte queda nas exportações do combustível dos EUA para o Brasil.
Em contrapartida, o Brasil teria tentado negociar um aumento na cota de exportação de açúcar brasileiro para o país em troca da redução das tarifas ao etanol, mas a proposta nunca chegou a ser considerada pelo governo americano.
Outro tema que apareceu no documento é o papel da Justiça brasileira nas redes sociais. O USTR alega que o Brasil teria emitido “ordens secretas” para empresas americanas do setor "censurar centenas de postagens e retirar dezenas de críticos políticos, incluindo cidadãos dos EUA, de suas plataformas por discursos legais em solo americano".
A referência é à determinação do ministro Alexandre de Moraes para o bloqueio de perfis ligados a atos antidemocráticos que atentaram contra o processo eleitoral, culminando na invasão do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal em 8 de janeiro de 2023.
Esse alvo nas práticas comerciais brasileiras soma-se ao cerco que o governo de Trump traçou para o Brasil, intensificando a guerra comercial que o país vem enfrentando com o anúncio do tarifaço de 50% sobre as importações.
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