Disfarçar ou morrer! Elas não podem ser elas mesmas, será que podem ao menos ser?
Publicado pela editora Rocco, de autoria de Jennifer Clement, o livro "Rezes pelas mulheres roubadas" é um grito, um desabafo e, ouso dizer, um soco no estômago do leitor mais sensível. Apresenta-se como um relato das condições da mulher no México, e faz sangrar a alma.
Ambientada em pequena localidade do estado mexicano de Guerrero, entre as cidades de Chilpancingo e Acapulco, a história se passa em um lugar que parece ter sido esquecido pelo estado e pela providência divina. Ali, o que impera é a violência. Todo tipo de violência. Quase não há homens ali, todos vão embora em busca de alguma condição, raros mandam algum dinheiro para suas famílias, nenhum retorna: ou foram alvejados ao cruzar a fronteira, ou foram mortos ou presos pelo narcotráfico. O lugar é conhecido pela violência, mas sobretudo pelo feminicídio. Contraponto curioso: poucos homens, mas o machismo e o feminicídio avassalam as mulheres largadas à própria sorte.
A história é contada a partir da experiência de Ladydi, uma menina que vive a miséria de ser mulher nesse lugar. As mulheres e meninas que restam por ali sobrevivem como podem: lutam contra moscas que sugam seu sangue e suas lágrimas constantes, iguanas, escorpiões, formigas gigantes, clima insuportável e o tráfico de mulheres.
Para não serem raptadas pelos traficantes, as mulheres precisam se fazer feias, muito feias! Por isso, algumas mães pintam os dentes de suas filhas para parecerem podres; cortam seus cabelos como de homens; vestem-nas de menino. Mas a melhor estratégia que encontram é esconder suas filhas em buracos na terra quando avistam, na estrada deserta, os carros de luxo dos traficantes.
Ao nascer, as filhas são sempre anunciadas como meninos. Mas chega o dia em que o narcotráfico vem para levá-las embora. O destino é sempre o mesmo: escravas sexuais. São vendidas não uma, mas duas, três, várias vezes; sofrem as piores horrores nas mãos desses homens e, quando não são mortas, são levadas para prisões.
O machismo, a pobreza, o medo, a discriminação, o feminicídio, a violência institucional e a miséria humana permeiam a obra o tempo todo. É absurdamente angustiante quando os narcotraficantes mandam os aviões passar herbicida nas plantações de papoula, e este herbicida é despejado por cima da cidade toda,, ferindo e causando danos terríveis à saúde dessas mulheres esquecidas. É uma demonstração de que o estado não chega aonde ele não quer chegar.
Apesar de tudo, no entanto, há uma faceta muito bonita mostrada na obra: a força das mulheres e sua capacidade de união em defesa de si mesmas e de suas filhas. E esta, certamente, é a coisa mais linda do livro. As personagens mostram algo "demasiado humano", como a mãe de Ladydi, que é alcoólatra, mesquinha, cleptomaníaca e cheia de vícios, mas que defende sua filha com a garra e a dedicação que só uma mãe incrível e amorosa é capaz.
Um aspecto abordado com profunda delicadeza é a relação das mulheres com sua vaidade. Elas buscam um salão de beleza para pintar as unhas, arrumar o cabelo, passar batom, mas não saem de dentro do salão arrumadas assim, para não provocar os homens. Elas fazem isso apenas para lembrarem-se de si mesmas, para se conhecerem e estreitarem os laços.
O estupro está presente o tempo todo na obra, mas a autora, que confere um traço jornalístico ao texto, nos poupa de descrições pormenorizadas desse crime. Talvez porque, sendo mulher, ela sabe que todas as mulheres sabem, se não em sua carne, em sua alma, do que se trata. Afinal, em qualquer lugar do mundo, sendo mulher, esse fantasma do estupro nos assombra, apenas por sermos mulheres.
Para finalizar me resta dizer: reze pelas mulheres, reze pelas mulheres!
Cléo Schneider
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