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A CRISE NAS REDES SOCIAIS (PARTE 1)

Érica Corrêa

A CRISE NAS REDES SOCIAIS (PARTE 1)

A Internet e as redes sociais transformaram profundamente como nos comunicamos e como a cultura pop se desenvolve e se dissemina globalmente. Elas criaram um ambiente digital onde informações e tendências culturais se propagam em velocidade sem precedentes, permitindo que pessoas de diferentes partes do mundo compartilhem experiências e participem de conversas em tempo real. Esse artigo versa sobre uma verdade inventada: as coisas só acontecem quando estão postadas nas redes sociais.

Minha adolescência aconteceu no boom das redes sociais, com o falecido Orkut. Aos 15, 16, recebi o convite de uma colega do colégio para ter uma conta no Facebook. As redes sociais nos prometeram conexão e comunidade. Estar entre seus iguais pu ampliar seus horizontes e conhecer o mundo sem sair de sua casa. As plataformas se tornaram ferramentas essenciais para movimentos sociais e culturais, permitindo a rápida mobilização de pessoas em torno de causas comuns e a amplificação de discussões importantes sobre representatividade e diversidade na cultura pop.

No presente, plataformas como Instagram, TikTok e X (antigo Twitter) se tornaram verdadeiros catalisadores de tendências. Memes, desafios virais e conteúdos gerados por usuários frequentemente transcendem fronteiras culturais, criando uma linguagem universal que permeia diferentes sociedades. Quando Fernanda Torres disse que se sentia o Pikachu, a população brasileira (o mundo todo, na verdade) rapidamente e sem explicações entendeu que a atriz estava se sentindo surpresa.

As redes sociais também revolucionaram o relacionamento entre artistas e fãs, estabelecendo canais diretos de comunicação que aproximam celebridades de seu público. Isto mudou significativamente a dinâmica da indústria do entretenimento, onde o feedback instantâneo dos fãs pode influenciar decisões criativas e estratégicas.

A CRISE NAS REDES SOCIAIS (PARTE 1)

Em “clima de Copa de Mundo”, citamos como exemplo para o acima mencionado o caso da “descoberta” dos tweets antigos da candidata ao Oscar Karla Sofia Gaston. A jornalista canadense Sarah Hagi revelou posts racistas, xenofóbicos de Karla Sofía Gascón, desencadeando debate e controvérsia e levando o próprio perfil oficial do Oscar a deixar de seguir a atriz e a fazendo deletar seu perfil.

Ainda assim, não consigo deixar de pensar que a promessa, que me fizeram quando adolescente, foi quebrada.

Parafraseando Ceccon (2024), na modernidade digital tardia vivemos uma contradição: quanto mais expostos estamos, menos histórias realmente significativas conseguimos contar. O imperativo das redes sociais nos empurra para uma existência de exposição constante, onde o ato de postar substitui a arte de narrar; com curtidas, compartilhamentos e publicações incessantes. Contudo, essa transparência total compromete o mistério do viver, em todos a sua glória e pequenos detalhes e ao transformarmos tudo em conteúdo instantâneo e explícito, perdemos a capacidade de viver o aqui e agora. A antiga tensão entre viver e narrar foi substituída pelo dilema contemporâneo entre viver e postar. A hiper conectividade se tornou parte de nossas vidas e trouxe seus próprios desafios.

A CRISE NAS REDES SOCIAIS (PARTE 1)

Divulgar acontecimentos, opiniões, sentimentos e esperanças nas redes sociais sígnica um diálogo? Possivelmente não. Na comunicação interpessoal, as redes sociais de certas forma romperam barreiras geográficas e temporais, possibilitando conexões instantâneas entre indivíduos e grupos. As novas tecnologias permitiram que algumas vozes anteriormente marginalizadas encontrassem espaço para se expressar e formar comunidades. Algumas vozes não significa “todas as vozes”, há também mentiras e boatos profissionalmente transmitidos na Internet que geram confusões e disseminam notícias falsas e em um efeito dominó vivemos agora a era do pós-verdade das redes sociais.

Em 2016, a Oxford Dictionaries, departamento da Universidade de Oxford responsável pela elaboração de dicionários, elegeu o vocábulo “pós-verdade” como a palavra do ano na língua inglesa. De acordo com a definição da Academia Brasileira de Letras, “pós-verdade” é:

1. Informação ou asserção que distorce deliberadamente a verdade, ou algo real, caracterizada pelo forte apelo à emoção, e que, tomando como base crenças difundidas, em detrimento de fatos apurados, tende a ser aceita como verdadeira, influenciando a opinião pública e comportamentos sociais.

2. Contexto em que asserções, informações ou notícias verossímeis, caracterizadas pelo forte apelo à emoção, e baseadas em crenças pessoais, ganham destaque, sobretudo social e político, como se fossem fatos comprovados ou a verdade objetiva.

3. Diz-se de política, era, etc. caracterizada pela pós-verdade

A CRISE NAS REDES SOCIAIS (PARTE 1)

Nesse mesmo ano, um estudo realizado pelo Pew Research Center já mostrava que 62% dos americanos usavam as redes sociais e 66% optavam pelo Facebook como uma maneira de acessar notícias.

Carlos Renato Coelho Simonetto e Rodrigo Wolff Apolloni, no artigo “Fake News, Pós-verdade, Fact-checking e Jornalismo de Dados: Um Pequeno Glossário para o Jornalismo” nos dizem notícias falsas não são novidades, mas “com a velocidade e quantidade de mensagens trocadas entre as pessoas, a mentira hoje divide espaço com “fatos verdadeiros”, tanto é que essa expressão – fatos verdadeiros - nos tempos atuais não parece mais ser tão redundante”.

A invenção da verdade não é novidade na humanidade, sempre houve grupos interessados em impor uma visão sobre os fatos, direção de sociedade, divulgar o medo de divindades ferozes com o comportamento humano, ameaças de purgações pós mortem. As notícias falsas dos tempos da pós-verdade são caraterizadas por um elemento novo no tecido social: as verdades produzidas são espalhadas rapidamente pelas redes sócias. E atingem rapidamente muitas pessoas, o que por um lado acelera a divulgação das notícias, mas possibilitam que o pensamento falso seja uma bomba no sentido da divulgação de “falsas verdades”.

Chegamos a conclusão então de que embora as tecnologias digitais tenham revolucionado nossa forma de interagir, criando pontes entre pessoas e otimizando processos laborais, elas também trouxeram à tona desafios significativos. O mesmo ambiente digital que facilita conexões globais e impulsiona a produtividade tornou-se terreno fértil para a propagação de desinformação, além de expor questões complexas sobre o controle de conteúdo e perpetuação de preconceitos sociais. Gosto de brincar que seria bom a volta do Orkut, onde pessoas que gostam de amarelo estariam na comunidade “eu amo amarelo” e as que não gostam na comunidade “eu odeio amarelo”, mas isso sou eu sendo romântica com meu passado. A verdade é que eu mesma criei uma comunidade para fãs de um casal de um anime que eu gostava e entraram pessoas nessa comunidade para dizer que eu estava doida, que os personagens não eram um casal e criaram tópicos e enquetes só para dizer o quanto odiavam aquele casal.

A democratização do acesso à informação, uma das maiores promessas da era digital, paradoxalmente também amplificou problemas de discriminação e vieses algorítmicos, exigindo uma reflexão constante sobre como equilibrar os benefícios e riscos dessas inovações. O casal acima citado era um casal hétero, não quero nem imaginar o que teriam feito e o que teriam me dito se imaginasse personagens do anime sendo lgbt.

O impacto das redes sociais na democratização da comunicação e na evolução da cultura pop é inegável, tendo redefinido permanentemente como nos expressamos e consumimos conteúdo cultural. Uma mudança de paradigma, as redes sociais humanas se tornando redes sociais digitais e mudando a internet em si.

As pessoas pensam que legislação para guiar o uso de redes e mídias sócias é um exagero, mas a verdade é que precisamos desesperadamente de regulamentação. Esta necessidade torna-se ainda mais evidente quando observamos os desafios crescentes relacionados à privacidade de dados, disseminação de desinformação e manipulação algorítmica do comportamento dos usuários. Assim como outros setores da sociedade que impactam profundamente a vida pública; as plataformas digitais precisam operar dentro de marcos regulatórios claros que protejam os direitos fundamentais dos cidadãos e promovam um ambiente digital mais saudável e democrático.

Ou seremos eternos pikachus a cada novo absurdo que surge.

2 Comments

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Ana Lúcia Ebling Andrade
Ana Lúcia Ebling Andrade
Feb 16
Rated 5 out of 5 stars.

Boa retrospectiva e contextualização. Preocupante perspectiva do uso das redes. Concordo com regulamentação urgente. Além disso, é necessário educação de qualidade para que as pessoas tenham a capacidade de compreender as informações que recebem e distinguir o que é verdadeiro e o que é falso.

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Mára Núbia da Silva
Mára Núbia da Silva
Feb 15
Rated 5 out of 5 stars.

Lindo texto. Muito bem embasado e ampla pesquisa para pensarmos, refletirmos e decidirmos como iremos interagir e usar nossas redes. Parabéns!

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