Nos Arquivos da Inquisição: documentos sobre práticas de feitiçaria no Rio de Janeiro
- Syrinx Sycorax Hekatina
- 2 de set.
- 3 min de leitura
Na história do Brasil colonial é frequentemente narrada sob a luz dos ciclos econômicos e síntese cultural que formou a identidade nacional. Entretanto, ao contrário do que se possa imaginar, não houve tribunais do Santo Ofício permanentemente estabelecidos na colônia, mas sua longa sombra estendeu-se através do Atlântico, comandada a partir de Lisboa.
A atuação inquisitorial no Brasil, ainda que "à distância", e sem fogueiras acesas permanentemente em praças públicas, queimou vidas, destruiu famílias e calou vozes, deixando marcas indeléveis na formação do Brasil. À época da colônia, nunca foi instaurado um tribunal do Santo Ofício. Houve, contudo, ocasiões em que inquisidores vieram investigar comportamentos e inibir condutas.
Neste mesmo período, a cidade do Rio de Janeiro destacou-se devido à sua posição estratégica para a exploração do ouro e a exportação de açúcar, e, dessa forma, se tornou um centro econômico e político fundamental no Brasil do período colonial.
E por esta cidade à beira-mar, passaram muitas mulheres acusadas do crime de feitiçaria. A mais famosa de todas é Bárbara dos Prazeres, uma bela jovem portuguesa de 20 anos de idade recém-chegada de Portugal acompanhada de seu marido. Em uma das versões, Bárbara teria se apaixonado por um homem negro livre e decidida a viver seu romance, ela teria matado seu marido. Anos depois também teria assassinado seu amante e passou a se prostituir em busca de sustento.
Bárbara dos Prazeres, teria contraindo sífilis, lepra e até a varíola, e para manter a saúde e jovialidade procurou a ajuda de feiticeiros e praticantes de magia negra e foi orientada a usar o sangue fresco e morno de bebês recém-nascidos. E assim, nasceu a lenda da bruxa Bárbara dos Prazeres. Não se sabe ao certo até que ponto a história tem fatos verídicos ou fantasias do imaginário coletivo. A história de Bárbara dos Prazeres pode até ser uma lenda urbana, mas isso não significa que não houve outras mulheres praticantes de feitiçaria.

Ao pesquisar fontes primárias constata-se que o Tribunal de Lisboa prendeu 776 homens e 298 mulheres, entre o fim do século XVI e meados do século XVIII. A maior parte foi aprisionada no Rio de Janeiro, enquanto os demais casos ocorreram fundamentalmente em Pernambuco e na Bahia.
Ao acessar as bases dados arquivística de alguns Arquivos, percebe-se que mulheres portuguesas condenadas pelo crime de feitiçaria, eram enviadas ao Brasil como punição (Arquivo Nacional da Torre do Tombo/Portugal). Existem manuscritos de anotações de práticas de feitiçarias preservados na Biblioteca Nacional.
Escravizadas conhecedoras das artes místicas eram temidas e rapidamente devolvidas sob a justificativa de “enfermidade crônica e vício em feitiçaria” como é o caso de “Joana” (ano de 1858) cujo registro encontra-se disponível para acesso no Arquivo Nacional.
No Arquivo Geral do Município do Rio de Janeiro, onde é possível localizar processos como de Bernarda Maria Caetano (ano de 1770) acusada também da prática de feitiçaria.
A importância dos acervos arquivísticos para saber quem foram as mulheres perseguidas pela Inquisição é fundamental e insubstituível. São nesses vastos conjuntos documentais que as vozes e histórias dessas mulheres, muitas vezes silenciadas pela narrativa oficial, foram meticulosamente registradas por seus próprios perseguidores.
Portanto, esses documentos são a chave para desvendar a identidade dessas mulheres e sem a preservação destes arquivos, a memória daquelas que foram alvo da máquina inquisitorial, estaria irremediavelmente perdida.








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