Cariocas e fluminenses
- Marcelo Teixeira
- 30 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de jul.

Pensava que já havia escrito a respeito da confusão entre os gentílicos carioca e fluminense. Percebo, no entanto, que estava enganado. Foi bom, porque agora creio que conseguirei argumentar mais a respeito.
Quando da cobertura da morte da jovem Juliana Marins, que infelizmente perdeu a vida física devido a um acidente num vulcão na Indonésia, uma jornalista de São Paulo (SP), em uma matéria televisiva, se referiu a Juliana como carioca de Niterói. Em outro caso, num programa de competição culinária, a apresentadora, natural de Curitiba (PR), chamou um dos participantes – nascido em Nilópolis, município da Baixada Fluminense – de carioca da gema.
Eu mesmo já passei por essa experiência. Das vezes em que participei de atividades profissionais ou simplesmente viajei de férias para outros estados brasileiros, fui apresentado como carioca ou me chamaram de carioca. É mais comum do que se pensa, aliás. No perfil de um professor que sigo nas redes sociais, todas as pessoas para as quais ele perguntou como se chamavam os nascidos no Estado do Rio de Janeiro erraram fragorosamente ao responderem o quê? Carioca. Já vi, inclusive, um participante do programa “Show do Milhão”, ainda da época do Sílvio Santos, ser eliminado pelo mesmo motivo.
Eu não sou carioca. Idem Juliana, ibidem o participante do reality culinário. Sou nascido em Petrópolis; Juliana, em Niterói; o candidato a chef, em Nilópolis. Somos, respectivamente, petropolitano, niteroiense e nilopolitano. Nenhum dos três é carioca.
Quem é carioca, afinal? É quem nasce na “Cidade Maravilhosa, cheias de encantos mil”, onde se encontram as praias de Copacabana e Ipanema, o Cristo Redentor, o estádio do Maracanã e o Pão de Açúcar, entre outros atrativos. E os cariocas da gema, quem são? Explico: um grande amigo meu e colega de profissão nasceu no Rio de Janeiro. É, portanto, carioca. Ele, todavia, é filho de pai paraibano e mãe paranaense. Por isso, ele é só carioca, mas não é da gema. Só que ele e a esposa, também carioca (desconheço a origem dos pais dela), têm duas filhas que nasceram no Rio de Janeiro. Elas, sim, são cariocas da gema, ou seja, filhas de pais que também nasceram no “No Rio 40 graus, cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”.
Carioca, portanto, não é quem nasce no Estado do RJ, mas na capital, que tem o mesmo nome do estado. O gentílico de quem nasce nesse estado é fluminense. Em suma, quem vem ao mundo em um dos 92 municípios que compõem o RJ é fluminense. Entre esses municípios, a capital – Rio de Janeiro –, Petrópolis, Niterói, Nilópolis, Cabo Frio, Volta Redonda, Resende, Paraty, Angra dos Reis, Duque de Caxias, Itaperuna, Campos dos Goytacazes e por aí vai. Todos são fluminenses, inclusive os cariocas. Mas nem todo fluminense é carioca.
Creio que a confusão ocorre porque a marca Rio de Janeiro é muito forte e é sempre associada à grandiosidade da cidade do Rio de Janeiro, seja para o bem (natureza exuberante, povo descontraído etc.) ou para o mal (violência urbana, falta de estrutura em favelas...). Tenhamos em mente, todavia, que Rio de Janeiro é também o nome do estado, que conta com a Região Serrana, a Região dos Lagos, a Costa Verde, a Baixada Fluminense, o norte e no noroeste. Há praias em outras cidades e também há montanhas, cachoeiras, fazendas... E há também cidades prósperas e outras nem tanto, como qualquer estado do Brasil.
O sotaque, porém, é o mesmo, ou melhor, meixmo. Trocamos o “s” pelo “x” (“feixta” em vez de “festa”, “poixto” em vez de “posto”, “teixte” em vez de “teste”...) e temos o hábito de prolongar as semivogais – “i” e “u” – ou incluí-las onde elas formalmente não aparecem. Outros exemplos: “Jesuis” (ou será “Jesuix”?) em vez de “Jesus”, “douze” em vez de “doze”, “riio” em vez de “rio”, “naviio” em vez de “navio”... Ou então, suprimimos ambas quando dizemos “bejo“ em vez de “beijo”, “quejo” em vez de “queijo”, "toro" em vez de touro etc. Essa herança linguística, herdamos dos portugueses do sul de Portugal, que se alojaram aqui quando a família real portuguesa aportou em terras fluminenses no início do século 19. Eles puxavam no “s”, ora, pois (ou será poixxx?)!
Para evitar essa história de chamar os fluminenses de cariocas, sugiro trocar o nome do Estado do Rio de Janeiro para Estado da Guanabara. Ajudaria, creio. Rio de Janeiro seria apenas a capital e seu maravilhoso povo carioca.
Marcelo Teixeira
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