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Como a Religião Se Tornou um Negócio Bilionário

  • Foto do escritor: Aretha Hercovitch Carrão
    Aretha Hercovitch Carrão
  • 6 de ago.
  • 4 min de leitura

Os Vendilhões do Templo e o Mercado da Fé


“Se Jesus voltasse hoje, não pisaria nos púlpitos — os derrubaria.” A frase é dura, mas necessária. Em tempos em que templos se erguem como shoppings de fé e pastores se vestem como CEOs, a espiritualidade foi convertida em moeda de troca. A cena bíblica em que Cristo expulsa os vendilhões do templo, chicoteando cambistas e comerciantes que lucravam com a fé dos pobres, não é só simbólica. É uma denúncia. E mais atual do que nunca.

Como a Religião Se Tornou um Negócio Bilionário

O que isso nos diz? Que o que antes era exceção hoje é regra: o templo virou mercado. A fé, produto. E o fiel, consumidor — ou melhor, acionista de uma promessa que nunca se realiza.

Um império construído sobre o invisível

A religião, enquanto sistema de crenças, deveria operar no campo da ética, da transcendência e da introspecção. Mas o que se observa, com cada vez mais clareza, é que o aparato religioso contemporâneo funciona como um empreendimento. Dados da Forbes de anos anteriores indicam que somente as principais igrejas neopentecostais no Brasil movimentam bilhões de reais anualmente. A Igreja Universal (IURD), por exemplo, arrecada cerca de R$ 1,4 bilhão por ano, segundo estimativas de especialistas do setor. E essa cifra não inclui o capital simbólico, o poder político e o alcance midiático — todos convertidos em influência direta sobre políticas públicas, pautas morais e decisões econômicas.

Enquanto isso, os fiéis continuam empobrecidos, não só financeiramente, mas intelectualmente. Estão sobrecarregados de culpa e medo. E o medo é a mais eficiente moeda de troca na história das religiões institucionalizadas.

O teatro da pobreza espiritual e a ostentação dos líderes

O discurso de humildade não se sustenta diante dos carros importados, jatinhos particulares e mansões de líderes religiosos que vivem como celebridades. “Deus quer que você prospere” — desde que essa prosperidade passe pelo dízimo fiel, pela oferta voluntária, pela doação do carro, da casa, da herança. E tudo isso em nome de uma recompensa que nunca vem. Ou que, quando vem, é reinterpretada como “milagre” ou “testemunho”.

Essa lógica é perversa e perigosamente bem arquitetada. Primeiro, impõe a ideia de que o sofrimento é necessário para alcançar o céu. Segundo, apresenta o líder como um canal exclusivo entre o fiel e Deus. Terceiro, comercializa indulgências modernas: eventos pagos, congressos com “cura espiritual”, seminários de “libertação financeira”. Não há diferença funcional entre isso e um show. O espetáculo da fé está armado — e lota arenas.

O método: controle pela ignorância

A base dessa manipulação é o desconhecimento. E não é à toa que o incentivo à leitura crítica, à busca pelo autoconhecimento e à ciência do espírito (a espiritualidade sem dogma) é sistematicamente desprezado por grande parte dessas instituições. Quanto menos uma pessoa lê, mais dependente ela se torna da palavra do outro. É o caminho mais eficaz para a obediência cega.

A escritora e mística francesa Simone Weil já dizia: “A opressão é eficaz quando as pessoas se sentem culpadas por sua dor.” Assim operam as igrejas-empresa: fazem com que o fiel atribua seu sofrimento a uma falha moral própria. Assim, ele continua a pagar — com dinheiro, com tempo, com obediência.

A fé virou moeda. E quem não compra, não pertence

Os vendilhões do templo hoje usam terno e microfone, têm canais no YouTube, apps próprios, editoras, gravadoras e partidos políticos. E mesmo os que não vendem explicitamente bênçãos em troca de dinheiro, vendem comportamentos, estilos de vida, identidades. Ditam como você deve se vestir, se comportar, amar e crer. E fazem isso com uma autoridade usurpada: a de representar Deus.

Esse é o ponto mais grave: ninguém tem o monopólio do divino. Deus — ou a ideia dele — é, por essência, intransferível. Imensurável. Incapturável por qualquer estrutura de poder. Quando alguém se coloca como único intérprete do sagrado, o que essa pessoa quer não é te guiar espiritualmente, mas dominar seu mundo interior. Isso, sim, é a verdadeira heresia.

A religião que ainda não nasceu

A frase de Osho, usada ao final do texto original, é essencial para este debate: “Sou contra as religiões, mas não contra a religiosidade.”O problema não é a busca por transcendência. Não é o desejo de se conectar com algo maior. É a estrutura. É o poder. É o uso do sagrado como escudo para enriquecer às custas da vulnerabilidade alheia.

A religiosidade real ainda está por nascer — ou, quem sabe, renascer. Uma espiritualidade que não se baseie em dogmas, mas em experiências. Que não explore culpas, mas acolha perguntas. Que não venda promessas, mas desperte consciências. E, principalmente, que não precise de templos para existir, porque já habita o mais sagrado dos espaços: o mundo interior de cada ser humano.

A fé é um direito. O abuso da fé é um crime. E o maior deles não está em explorar dinheiro, mas em sequestrar consciências. Quando a religião se torna negócio, o templo vira mercado e o púlpito vira balcão. E nesse cenário, os vendilhões não estão mais às portas — são os donos da chave.


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