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[CRÍTICA] MALÊS (2025): um grito ancestral por liberdade que ecoa no presente

  • Foto do escritor: Manu Cárvalho
    Manu Cárvalho
  • 11 de abr.
  • 5 min de leitura

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

MALÊS
Um legado necessário para o cinema e para a educação (Foto: Reprodução / Globo Filmes)

Alguns filmes não foram feitos apenas para entreter. Alguns filmes existem para lembrar, para ensinar, para curar feridas abertas pelo esquecimento. Malês, longa-metragem dirigido por Antônio Pitanga, é uma dessas obras que ultrapassam a barreira da ficção para se tornarem um instrumento de memória coletiva. Estreando nos cinemas brasileiros em 10 de abril de 2025, o filme resgata um episódio muitas vezes apagado dos livros de história: a Revolta dos Malês, ocorrida em Salvador, em 1835.


Mais que uma superprodução de época, Malês é uma carta de amor à ancestralidade africana, um ato político artístico e um legado construído em família. Antônio divide a tela com seus filhos, Camila Pitanga e Rocco Pitanga, e juntos constroem uma narrativa que pulsa de dor, dignidade e esperança. Ao longo de duas horas intensas, o espectador é convidado não apenas a assistir a um filme, mas a se colocar diante de uma história que, embora do século XIX, ainda reverbera com força no Brasil de hoje.


Revolta dos Malês: quando a fé e a luta caminharam juntas

Poucos conhecem a fundo a Revolta dos Malês — e talvez seja justamente por isso que este filme seja tão necessário. A insurreição, liderada por africanos muçulmanos escravizados, foi uma das maiores e mais organizadas rebeliões de negros escravizados na história do Brasil. Mais do que um levante violento, ela foi uma tentativa de libertação cultural, religiosa e identitária.


O filme parte de um ponto de partida simbólico: a separação brutal de um casal africano muçulmano no dia de seu casamento. Eles são capturados, vendidos como escravos e enviados ao Brasil. Ela (interpretada com força e doçura por Camila Pitanga) se torna cozinheira em uma casa senhorial. Ele (Rocco Pitanga, em atuação visceral) é levado para os canaviais. Essa separação serve como metáfora para toda a diáspora africana: amores rompidos, famílias despedaçadas, fé deslegitimada — mas nunca extinta.


Ao longo do filme, vemos os dois se envolverem, em lados distintos, com os planos da revolta. Reencontrar-se é uma esperança. Libertar-se, uma necessidade. Resistir, um dever. E é aí que Malês encontra seu eixo dramático mais poderoso: ele não nos mostra heróis de manual, mas pessoas reais, humanas, que decidem enfrentar um sistema desumano mesmo diante do medo, da opressão e da morte.

MALÊS
(Foto: Reprodução / O Folhetim Cultural)

Antonio Pitanga: o griô que conta para o futuro aquilo que o passado silenciou

Aos 85 anos, Antônio Pitanga está mais lúcido, mais forte e mais necessário do que nunca. Em Malês, ele não apenas dirige com a sensibilidade de quem sabe contar histórias, mas também interpreta um dos personagens mais importantes da narrativa: Pacífico Licutan, líder espiritual da revolta. Pitanga carrega no olhar a experiência de quem viveu o cinema novo, a luta pelos direitos civis, o racismo institucional — e que, agora, transforma tudo isso em cinema com propósito.


Não é possível falar de Malês sem reconhecer o esforço de uma década que Pitanga e sua equipe dedicaram à realização deste filme. O roteiro de Manuela Dias (de Justiça e Amor de Mãe) traz uma costura cuidadosa entre os fatos históricos e o drama íntimo dos personagens. Ela evita cair na armadilha de uma reconstituição fria, optando por uma narrativa que pulsa emoção. A revolta não é apenas contada — ela é sentida.


Um elenco que representa o corpo negro em toda sua potência

Camila Pitanga e Rocco Pitanga entregam performances que conversam entre si com precisão e emoção. Camila, especialmente, é o coração emocional do filme: sua Sabina é forte, mas vulnerável; silenciosa, mas gritante em seus olhares. Já Rocco constrói Dassalu com camadas de raiva, amor e fé. A química entre os dois é palpável, e em nenhum momento se sobrepõe à força coletiva da trama.


No núcleo secundário, brilham Rodrigo dos Santos, Bukassa Kabengele, Samira Carvalho, Patrícia Pillar, Heraldo de Deus e Indira Nascimento, todos em personagens que ajudam a expandir a narrativa. Um destaque vai para a figura do capitão do mato, vivido com frieza incômoda por um ator que representa, justamente, o brasileiro que aceita — e perpetua — as estruturas coloniais para preservar sua posição de privilégio.

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Mais que um filme, um ato de coragem (Foto: Reprodução / Alma Preta)

Fotografia e trilha sonora: um banho de sensações

A fotografia de Pedro Farkas é um espetáculo à parte. Há um cuidado evidente com a paleta de cores: os tons terrosos dominam os campos, enquanto a escuridão opressora domina as casas dos senhores e das senzalas. Há um jogo de luz e sombra que simboliza muito mais do que estética: é política, é espiritualidade, é tensão constante entre a liberdade e a opressão.


A trilha sonora é assinada por dois gigantes: Antonio Pinto e Carlinhos Brown. A música tem papel narrativo fundamental — seja ao incorporar elementos afro-brasileiros nas cenas de rituais muçulmanos, seja ao usar o silêncio como recurso em momentos de luto e desespero. Há sequências em que a música canta por quem já não tem mais voz. E isso é profundamente tocante.


Ritmo, falhas e força narrativa: entre a emoção e a estrutura

É justo dizer que Malês tem momentos de oscilação técnica. Alguns trechos apresentam dublagens que destoam da cena, e a montagem, por vezes, acelera conflitos que mereciam mais tempo para amadurecer. Mas nenhuma dessas falhas compromete a entrega emocional do filme. Porque quando ele acerta — e acerta muito — ele toca fundo.


É impossível não se emocionar com a cena do reencontro entre os protagonistas, com a preparação silenciosa da revolta, com a despedida dos que sabem que não voltarão vivos.

Malês nos lembra que a luta por liberdade é feita de carne, osso, lágrima — e, principalmente, fé.

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Pitanga: a experiência, a luta, a resiliência e a sabedoria para falar (Foto: Reprodução / Fringe)

Um legado necessário para o cinema e para a educação

Exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes e no Festival do Rio, Malês recebeu aplausos não apenas por sua força cinematográfica, mas por sua relevância histórica. É um filme que merece — e precisa — ser exibido em escolas, universidades, espaços culturais.


O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir oficialmente a escravidão. E até hoje, paga o preço do racismo estrutural, do genocídio da juventude negra, da invisibilidade de seus heróis africanos. Em tempos em que se tenta reescrever ou apagar certos capítulos da história, Malês é resistência pura. É arte como denúncia, como afirmação, como reparação.


Mais que um filme, um ato de coragem

Ao final da sessão de Malês, não restam dúvidas de que estamos diante de um dos filmes mais importantes do cinema brasileiro recente. Ele não quer ser perfeito — ele quer ser necessário. E isso é muito mais difícil. Antônio Pitanga, Camila Pitanga, Rocco Pitanga e todo o elenco e equipe técnica entregam um trabalho que merece ser visto, debatido, ensinado e lembrado.


Porque lembrar é resistir. E resistir, às vezes, é tudo o que nos resta.


Nota final: ⭐⭐⭐⭐⭐ (5/5)

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