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[CRÍTICA] BRIZOLA, ANOTAÇÕES PARA UMA HISTÓRIA: um documentário que reencontra o Brasil consigo mesmo

  • Foto do escritor: Manu Cárvalho
    Manu Cárvalho
  • 21 de mar.
  • 5 min de leitura

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Brizola, Anotações Para Uma História
Brizola, Anotações Para Uma História (Foto: Reprodução / Adoro Cinema)

Poucos personagens da história política brasileira provocam sentimentos tão diversos quanto Leonel Brizola. Admirado por uns, contestado por outros, Brizola viveu intensamente os dilemas de um país que, até hoje, parece dividido entre a esperança e o retrocesso. No documentário Brizola, Anotações Para Uma História, o cineasta Silvio Tendler retoma esse nome emblemático e oferece um retrato que é, ao mesmo tempo, político, poético e profundamente pessoal.


Lançado em 20 de março de 2025, o longa se propõe mais do que contar uma biografia: quer reconstituir um ideal de país, um projeto nacional que, em tempos recentes, parece cada vez mais distante. Com sua marca autoral característica, Tendler transforma o documentário em uma aula de história viva, recheada de arquivos raros, depoimentos intensos e uma estrutura narrativa que respeita o tempo — de Brizola, do Brasil, e do espectador.


Silvio Tendler: o historiador das imagens e das ausências

Silvio Tendler não é apenas um cineasta: ele é um arquivista de almas políticas. Conhecido por obras como Jango (1984), Os Anos JK (1980) e Utopia e Barbárie (2009), o diretor consolidou sua carreira documentando figuras que foram marginalizadas ou apagadas pela história oficial. Com Brizola, não é diferente.


Desde os primeiros minutos, fica evidente que este é um projeto de paixão — não no sentido da idolatria, mas do compromisso histórico. Tendler parte de um ponto de vista claro: Brizola não foi só um político, foi uma ideia em movimento. E é essa ideia que ele tenta resgatar em um país tão habituado ao esquecimento quanto à distorção.


Com uma direção que mescla narrativa cronológica e reflexões temáticas, o documentário caminha entre os fatos históricos e o mito popular, equilibrando-se com elegância em uma linha editorial firme, mas nunca panfletária.

Um dos méritos do documentário está em seu uso cuidadoso de material de arquivo
Um dos méritos do documentário está em seu uso cuidadoso de material de arquivo (Foto: Reprodução / Fringe)

Brizola em primeiro plano: do menino pobre ao símbolo de resistência

A estrutura narrativa parte de um ponto simples, mas fundamental: de onde veio Brizola?. Nascido em 1922, no interior do Rio Grande do Sul, ele perdeu o pai aos dois anos de idade e foi criado na lida rural. O filme recupera essas origens com imagens de época, entrevistas de rádio e depoimentos que constroem, pouco a pouco, o cenário onde sua inquietação social começou a se formar.


A ascensão política de Brizola ganha destaque não apenas como trajetória individual, mas como reflexo de um Brasil em ebulição. Como deputado estadual, depois federal, governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, ele se projetou como um líder popular que defendia — e brigava — por educação pública de qualidade, soberania nacional e justiça social.


Mas Tendler é inteligente ao não romantizar demais. Mostra também os enfrentamentos de Brizola com aliados e adversários, sua teimosia política, suas decisões controversas. Há um esforço visível em apresentar um retrato complexo — e essa é uma das grandes forças do filme.


Arquivos, memórias e silêncios: um documento para o futuro

Um dos méritos do documentário está em seu uso cuidadoso de material de arquivo. Tendler mergulha em gravações históricas da Rádio Nacional, filmagens em Super-8, trechos de jornais televisivos e discursos de palanque que mostram Brizola em momentos íntimos e públicos. É como se o tempo voltasse a respirar através dessas imagens.


Mas o que mais impressiona são os silêncios — aqueles deixados pelos arquivos ausentes. O que não se registrou, o que foi destruído ou censurado, o que se perdeu no tempo. Tendler usa essa ausência a seu favor, transformando lacunas em perguntas, e perguntas em poesia.


Um momento particularmente comovente é a leitura de uma carta escrita por Brizola pouco antes de sua morte. A narração é pausada, respeitosa. Ao fundo, imagens do Brasil contemporâneo: protestos, crianças em escolas precárias, filas do SUS. A associação é inevitável — e poderosa.

Esses depoimentos não constroem um coro uníssono. Há discordâncias, há tensões.
Esses depoimentos não constroem um coro uníssono. Há discordâncias, há tensões. (Foto: Reprodução / Festival do Rio)

Depoimentos que constroem um mosaico histórico e afetivo

O documentário se apoia em uma rica costura de depoimentos — de políticos, historiadores, militantes e, especialmente, pessoas comuns que conviveram com Brizola ou foram impactadas por suas políticas. Entre os entrevistados, destacam-se:

  • Tarso Genro, que fala sobre o legado educacional;

  • Fernando Morais, com sua memória afiada e olhar jornalístico;

  • Luciana Genro, que analisa o Brizola enquanto símbolo da esquerda brasileira;

  • E vozes anônimas que lembram o impacto da criação dos CIEPs, por exemplo.


Esses depoimentos não constroem um coro uníssono. Há discordâncias, há tensões. Mas há, sobretudo, um reconhecimento: Brizola não era fácil. Mas era necessário.


A linguagem estética: entre a saudade e a denúncia

Visualmente, o filme carrega a marca clássica de Tendler. Planos estáticos alternam-se com arquivos em preto e branco, enquanto a trilha sonora conduz as emoções com discrição — ora melancólica, ora vibrante, sempre eficaz.


A fotografia, assinada por Maurício Wanderley, aposta em tons neutros e uma luz natural que reforça a sensação de realismo documental. As locações — prédios públicos, ruas antigas, praças vazias — ajudam a dar corpo ao tempo que passou, e que o filme tenta recuperar.


A montagem de Patrick Granja também é digna de nota: fluida, mas jamais apressada, respeitando o ritmo da memória, das pausas e das inflexões dos entrevistados.


Tendler e Brizola: um pacto ético com a memória nacional

Silvio Tendler não filma para entreter. Filma para provocar, para ensinar, para preservar. E isso transparece a cada sequência. Brizola, Anotações Para Uma História não é apenas um documentário sobre um político. É um documento sobre o Brasil.


E mais: é uma resposta a um tempo que tenta ressignificar o passado com mentiras, apagamentos e falsificações históricas. Em tempos de negacionismo e revisionismo, Tendler grita — com elegância e firmeza — que memória também é resistência.

A inclusão dessas perspectivas traria novas perguntas: o que significa ser brizolista hoje?
A inclusão dessas perspectivas traria novas perguntas: o que significa ser brizolista hoje? (Foto: Reprodução / Daily Motion)

Crítica construtiva: o que falta entre as anotações

Apesar de seu valor histórico e emocional inquestionável, o documentário peca em dois pontos fundamentais. Primeiro, não se aprofunda suficientemente nas críticas que Brizola recebeu dentro da própria esquerda. Seu estilo centralizador, a condução polêmica do PDT em certos momentos, e sua relação com movimentos sociais mais radicais são aspectos abordados de forma muito breve.


Além disso, a ausência de vozes mais jovens — militantes, historiadores ou lideranças atuais — enfraquece a ponte entre o passado e o presente. O filme termina olhando para trás, mas poderia ter olhado um pouco mais para a frente.


A inclusão dessas perspectivas traria novas perguntas: o que significa ser brizolista hoje? Que herança realmente sobreviveu? Como o projeto de nação proposto por Brizola dialoga com os desafios de 2025?


Um filme necessário, um alerta para não esquecermos quem fomos

Brizola, Anotações Para Uma História é mais do que um documentário — é um convite à reflexão, um acerto de contas com a memória nacional e uma tentativa legítima de devolver dignidade a um personagem que, entre erros e acertos, pensou um Brasil que parecia possível.


Silvio Tendler, mais uma vez, cumpre seu papel com ética, sensibilidade e um olhar que poucos cineastas têm: o de quem acredita que o cinema pode, sim, ajudar a mudar o mundo — ou, pelo menos, a lembrar de quando já tentamos.


Para os que querem entender o país que fomos — e talvez, o que ainda podemos ser —, este filme é obrigatório. Não como nostalgia, mas como farol.


Nota final: ⭐⭐⭐⭐(4/5)

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