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[CRÍTICA] LOVE – uma exploração intimista das conexões humanas

  • Foto do escritor: Manu Cárvalho
    Manu Cárvalho
  • 4 de abr.
  • 5 min de leitura

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

“Love” é um filme sobre a escuta
“Love” é um filme sobre a escuta. (Foto: Reprodução / YouTube)

O amor pode ter formas múltiplas, inesperadas, desconfortáveis. Pode nascer de silêncios, de encontros casuais, de uma troca de olhares ou de uma conversa sincera durante a travessia de uma balsa. Pode ser calmo, pode ser caótico, pode nem se chamar amor.


Em “Love”, filme norueguês dirigido por Dag Johan Haugerud, que estreou nos cinemas brasileiros em 3 de abril de 2025, somos levados a esse universo de conexões não convencionais, onde as relações humanas são examinadas com delicadeza, honestidade e sem a pretensão de caberem em categorias. Não é um filme sobre um casal. É um filme sobre pessoas. E, sobretudo, sobre liberdade.


Um encontro inesperado que muda tudo

A trama começa em uma travessia de balsa. Marianne, interpretada com extrema naturalidade por Andrea Bræin Hovig, é uma médica solitária, com a vida aparentemente resolvida. Ela não está em busca de romance. Ela não está em busca de nada.


Mas o acaso coloca em seu caminho Tor (vivido por Tayo Cittadella Jacobsen), um enfermeiro tranquilo, de fala mansa e olhar curioso. A conversa que se inicia entre os dois — aparentemente banal — logo ganha camadas, à medida que Tor compartilha uma visão de mundo e de intimidade que desafia a lógica do amor tradicional.


Essa troca, breve mas intensa, abre espaço para reflexões que Marianne jamais tinha se permitido. E é a partir desse ponto que o filme nos conduz a uma jornada de descobrimento, de entrega e de desconstrução afetiva.


Um roteiro que aposta na conversa como transformação

Ao contrário de muitas produções românticas que investem em grandes eventos ou reviravoltas passionais, “Love” é um filme sobre a escuta. O roteiro de Haugerud nos apresenta diálogos densos, mas nunca pretensiosos. São conversas que poderiam acontecer com qualquer um de nós — em um bar, em um banco de praça, ou mesmo numa balsa.


A construção do roteiro, aliás, é uma das maiores qualidades da obra. Em vez de explicar sentimentos, o filme permite que eles surjam organicamente. O espectador não é guiado por trilhas sonoras manipulativas ou cenas de impacto. É pela presença, pelo tempo compartilhado entre os personagens, que a intimidade cresce.


O que Haugerud propõe aqui é uma espécie de antirromance. Nada acontece da forma esperada. E é justamente isso que o torna tão real, tão próximo, tão humano.

É um trabalho sutil, quase invisível, mas extremamente poderoso
É um trabalho sutil, quase invisível, mas extremamente poderoso. (Foto: Reprodução / Hollywood Reporter)

Andrea Bræin Hovig: uma protagonista que nos olha nos olhos

É impossível falar de “Love” sem destacar a performance de Andrea Bræin Hovig. Ela é o centro do filme — mas nunca faz questão de estar no centro da cena. Sua Marianne é discreta, reservada, e guarda suas emoções em lugares profundos. Mas o espectador sente cada nuance de sua transformação interna.


Hovig domina a arte do silêncio. Em uma sequência particularmente marcante, sua personagem escuta Tor descrever uma experiência íntima fora dos padrões. Ela não diz nada. Mas o desconforto, a curiosidade e, por fim, a aceitação — tudo está ali, em seu rosto. É um trabalho sutil, quase invisível, mas extremamente poderoso.


O filme depende muito dessa capacidade da atriz de sustentar a complexidade de uma mulher em transição — alguém que começa acreditando em verdades absolutas e termina entendendo que há beleza no que é indefinido.


Tayo Cittadella Jacobsen: presença serena, impacto profundo

Como contraponto, Tayo Cittadella Jacobsen traz ao filme uma presença doce, firme e acolhedora. Seu Tor é um homem que desafia normas sem necessidade de confronto. Ele apenas vive como acredita. Fala sobre seus encontros não-monogâmicos com naturalidade, compartilha suas experiências sem se justificar.


Não há militância em Tor. Há apenas sinceridade. E isso torna sua personagem extremamente poderosa. O impacto de sua fala sobre Marianne — e sobre o público — não vem de sua eloquência, mas da forma como ele habita suas verdades com tranquilidade.


É refrescante ver um personagem masculino que não representa uma ameaça ou uma competição, mas sim um convite: a olhar o mundo de outra forma.

Uma revisão profunda das formas de amar, desejar e se relacionar
Uma revisão profunda das formas de amar, desejar e se relacionar (Foto: Reprodução / Fotografia Uol)

Entre olhares e atmosferas: a força da estética intimista

Visualmente, “Love” é um filme contido. A fotografia assinada por Cecilie Semec privilegia a luz natural, os ambientes cotidianos, os espaços onde a intimidade pode florescer. Há uma paleta de tons suaves, que ajuda a compor a sensação de acolhimento e calma que permeia o longa.


As locações — a balsa, os cafés, os interiores minimalistas — reforçam a ideia de que o amor não precisa de cenários espetaculares. Ele pode surgir onde menos se espera. É o olhar do outro, e não o lugar, que transforma uma experiência.


A trilha sonora, de Peder Kjellsby, acompanha essa proposta. Nada de violinos grandiosos ou canções dramáticas. Apenas notas sutis, que entram quando necessário, mas que sabem sair de cena para dar lugar ao que realmente importa: a voz e o silêncio dos personagens.


Amor, sexo e liberdade: o retrato de uma nova intimidade

“Love” faz parte de uma trilogia iniciada por “Sex” e seguida por “Dreams”, também dirigidos por Haugerud. Juntos, os filmes propõem uma revisão profunda das formas de amar, desejar e se relacionar. Mas é neste terceiro capítulo que a reflexão atinge seu ponto mais maduro.


Aqui, o amor não é idealizado, nem romantizado. É colocado sob análise. A monogamia é questionada, mas sem julgamento. A sexualidade é abordada, mas sem voyeurismo. O que o filme nos propõe é uma abertura: para o outro, para o novo, para nós mesmos.


Ao final da sessão, não saímos com respostas. Mas com muitas perguntas. E talvez esse seja o maior mérito de “Love”: nos fazer repensar nossas escolhas não por culpa ou insatisfação, mas por curiosidade.

O amor pode assumir formas inesperadas
O amor pode assumir formas inesperadas (Foto: Reprodução / Fotografia Uol)

Crítica internacional: um sopro de autenticidade no cinema contemporâneo

Apresentado na mostra competitiva do Festival de Veneza 2024, “Love” recebeu aplausos por sua abordagem sóbria e honesta. A crítica europeia destacou a consistência da trilogia de Haugerud e elogiou sua coragem em colocar a intimidade no centro da narrativa, sem recorrer a fórmulas prontas.


No Rotten Tomatoes, o filme estreou com 86% de aprovação, com destaques para a direção precisa, os diálogos naturais e a performance sutil de Andrea Bræin Hovig. Críticos como Peter Bradshaw (The Guardian) e Jessica Kiang (Variety) apontaram “Love” como uma das obras mais emocionalmente maduras da temporada.


No Brasil, a recepção também foi positiva entre o público de festivais e amantes do cinema de arte. A crítica especializada celebrou a originalidade da proposta e a delicadeza da execução.


LOVE: Um filme que deixa o coração em suspensão

“Love” não é um filme para quem busca ação, reviravoltas ou grandes declarações. Ele não quer nos convencer de nada. Apenas nos mostrar que o amor pode assumir formas inesperadas — e que, quando nos abrimos ao outro, também nos abrimos a partes de nós que não sabíamos existir.


É cinema que se aproxima da vida como ela é. Cheio de dúvidas, desejos, hesitações. Um filme que nos convida a respirar fundo, a desacelerar, a olhar nos olhos. E, quem sabe, a amar de um jeito novo.


Nota final: ⭐⭐⭐⭐ (4/5)

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