[CRÍTICA] PAI DO ANO (2025): Michael Keaton ilunima uma comédia dramática com mais afeto do que profundidade
- Manu Cárvalho
- 21 de mar.
- 6 min de leitura
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

A paternidade tardia e seus tropeços emocionais são o ponto de partida para “Pai do Ano” (Goodrich), comédia dramática dirigida por Hallie Meyers-Shyer, que estreia com um elenco carismático e uma proposta sensível: explorar o que significa “ser pai” em diferentes fases da vida. Michael Keaton volta às telas em um papel que o convida a equilibrar humor, fragilidade emocional e reconstrução familiar – e, como era de se esperar, ele entrega tudo isso com uma maestria sutil que se sobressai ao próprio filme.
Com um roteiro que aposta na ternura mais do que na ousadia, Pai do Ano cativa pela leveza, mas perde força quando se contenta em apenas tocar temas profundos sem explorá-los com a densidade que merecem. É um filme com alma, sem dúvida. Mas também é uma história que parece confortável demais com a superfície.
SINOPSE: UM PAI AOS 60 ANOS ENTRE O DIVÃ E OS DESENHOS INFANTIS
Andy Goodrich (Michael Keaton) é um respeitado galerista de arte em Los Angeles, mais acostumado com vernissages do que com tarefas domésticas. Sua vida toma um rumo inesperado quando sua ex-esposa decide se internar por 90 dias em uma clínica de reabilitação e o deixa responsável pelos filhos gêmeos de nove anos, Billie e Mose.
Ao mesmo tempo, Andy tenta se reaproximar da filha adulta, Grace (Mila Kunis), com quem tem uma relação distante e marcada por ressentimentos. Grávida, independente e pouco disposta a reabrir feridas antigas, Grace representa para Andy o desafio mais delicado: provar que ele pode ser pai, não apenas de crianças, mas de alguém que já sofreu as consequências de sua ausência.
O filme acompanha o cotidiano de Andy tentando equilibrar fraldas, crises emocionais, reuniões de pais e filhos, além de sua própria galeria de arte, agora ameaçada pela negligência e pela dificuldade de se adaptar a uma rotina familiar que exige muito mais do que carisma.
A DIREÇÃO DE HALLIE MEYERS-SHYER: UM OLHAR CARINHOSO, MAS SEM CORAGEM DE ROMPER
Filha da lendária diretora Nancy Meyers, conhecida por sucessos como Alguém Tem Que Ceder e O Amor Não Tira Férias, Hallie traz em seu DNA o toque suave e elegante da comédia dramática doméstica. Seu primeiro filme, De Volta Para Casa (2017), já revelava uma inclinação por histórias afetivas com mulheres fortes e homens em crise de identidade.
Em Pai do Ano, esse estilo permanece — e isso é tanto uma virtude quanto uma limitação.
A diretora constrói cenas delicadas, sabe manejar bem os diálogos silenciosos e evita excessos emocionais. Mas essa contenção se torna, em alguns momentos, excessiva. Os conflitos que poderiam levar o filme a uma profundidade mais autêntica são suavizados por cortes bruscos, alívios cômicos previsíveis ou soluções sentimentais um tanto fáceis.
O PAI DO ANO (2025) tem ritmo, tem charme, tem empatia. Mas não tem risco. E isso faz falta.

MICHAEL KEATON: UM PAI ATRAPALHADO COM CARISMA DE SOBRA
Michael Keaton está excelente — o que não é surpresa para quem acompanha sua carreira. Em Andy Goodrich, ele mistura o sarcasmo de Beetlejuice com a melancolia de Birdman e entrega um personagem cheio de contradições: narcisista, amoroso, cansado, mas ainda afiado.
Sua melhor cena talvez seja uma em que precisa lidar com uma crise dos filhos enquanto tenta manter a pose profissional diante de um cliente importante da galeria. Keaton transita entre o caos e a lucidez com um humor seco e um olhar constantemente cansado — o retrato perfeito de um homem que só aprendeu a ser pai quando já não tinha tempo para errar muito.
É também tocante vê-lo em cenas de silêncio com Mila Kunis, onde tudo o que ele não disse nos últimos 20 anos parece pesar sobre cada palavra que ele tenta pronunciar.
MILA KUNIS: A FILHA QUE NÃO PRECISA MAIS DO PAI, MAS AINDA QUER O AFETO
Mila Kunis, embora subutilizada, oferece uma atuação delicada e contida. Grace não é uma mulher amargurada — mas é alguém que aprendeu a se proteger de quem já a decepcionou. Suas conversas com Andy são pontuadas por sarcasmo, desconfiança e momentos de ternura que surgem quase como acasos. Em um filme mais corajoso, Grace teria mais espaço para explorar suas dores. Aqui, ela funciona como contraponto emocional, mas raramente como protagonista real de sua própria narrativa.
É uma pena. Kunis tem talento para mergulhar mais fundo. O roteiro, infelizmente, não lhe permite mais do que alguns bons diálogos e uma presença que justifica as emoções de Andy, mas não se sustenta por si só.
ROTEIRO: ACERTOS NA ROTINA, FALHAS NA COMPLEXIDADE
O roteiro assinado por Hallie Meyers-Shyer acerta ao mostrar o cotidiano como campo de batalha da parentalidade. As cenas em que Andy precisa lidar com o café da manhã das crianças, com as tarefas da escola, com consultas médicas, com choros noturnos — tudo isso é muito mais eficaz do que qualquer grande reviravolta.
O problema está nas lacunas emocionais. Andy é perdoado com uma facilidade que soa quase irresponsável. A filha que passou anos sem vê-lo volta à sua vida com uma resistência que dura poucos dias. Os filhos gêmeos, embora carismáticos, são reduzidos a pequenos alívios cômicos. E o tema do alcoolismo da mãe é quase ignorado depois do primeiro ato.
O filme evita conflitos sérios como quem evita uma briga de família no almoço de domingo: troca o assunto, passa o guardanapo, sorri desconfortável. Isso tira força da proposta inicial.

VISUAL, TRILHA E CLIMA: A COMÉDIA DRAMÁTICA DE HALLMARK COM TOQUE DE AUTORIA
Visualmente, o filme é impecável — como todo projeto que carrega a assinatura de descendentes de Nancy Meyers. A casa onde Andy mora é ensolarada, com móveis sofisticados e tapetes vintage. A fotografia aposta em tons quentes, a luz natural é um personagem à parte e o figurino ajuda a marcar bem os contrastes entre os mundos de Andy e Grace.
A trilha sonora de Christopher Willis é discreta, com pianos melódicos e algumas faixas indie que pontuam bem os momentos de reconexão. Nada memorável, mas eficiente.
O clima do filme é confortável. E talvez esse seja o maior risco: ser bom o suficiente para agradar, mas não ousado o bastante para marcar.
UM FILME SOBRE HOMENS TENTANDO ACERTAR TARDE DEMAIS
Andy Goodrich é, acima de tudo, um retrato de uma geração de homens que aprenderam — tarde — que ser pai não é estar presente apenas nas festas ou nos boletos pagos. É uma figura que representa muitos pais divorciados, ausentes por decisão ou por negligência, que acreditam que um esforço tardio pode redimir uma vida inteira de ausência.
O filme não julga Andy. E talvez devesse. Ou, pelo menos, desafiar o espectador a julgar. Ao escolher um tom conciliador, Hallie perde a chance de fazer uma crítica mais profunda sobre a estrutura familiar, sobre a romantização do “pai que volta” e sobre o quanto pesa o perdão em uma relação assimétrica.
REPRESENTATIVIDADE E TEMAS ATUAIS
Embora ambientado em um universo bastante branco e privilegiado, Pai do Ano toca em temas contemporâneos relevantes: paternidade ativa, reconciliação tardia, o peso da maternidade solo, a dificuldade de conciliar carreira e filhos — especialmente para mulheres — e a construção emocional de laços familiares não tradicionais.
No entanto, mais uma vez, a abordagem é leve demais. As questões estão lá, mas não são desenvolvidas com a profundidade necessária. Faltou conflito, faltou dissenso, faltou desconforto. E, ironicamente, o filme que mais fala sobre afeto é justamente o que se recusa a causar incômodo.
PAI DO ANO (2025): UM BOM FILME, MAS COM MEDO DE SER GRANDE
Pai do Ano é como um abraço de um pai que está tentando se redimir: é sincero, mas talvez tenha chegado tarde demais para consertar tudo. Ainda assim, é um gesto bonito. O filme emociona, diverte e toca pontos sensíveis com honestidade. Mas também evita o confronto, silencia o incômodo e termina com uma reconciliação que parece mais conveniente do que merecida.
Michael Keaton é quem carrega o filme nas costas. Sua entrega é tão envolvente que você torce por Andy, mesmo quando sabe que ele não merece absolvição tão fácil. Isso, no fim, é o maior trunfo do longa: fazer o espectador acreditar que há redenção possível, ainda que a jornada para alcançá-la merecesse mais profundidade.
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