[CRÍTICA] PERFEITOS DESCONHECIDOS (2025): quando a verdade toca a tela e faz doer o riso
- Manu Cárvalho
- 11 de abr.
- 6 min de leitura
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Em uma era onde as telas são extensões do nosso corpo e os toques substituem olhares, a pergunta que "Perfeitos Desconhecidos" propõe parece simples — mas é um convite à vertigem: o que aconteceria se todas as suas mensagens fossem lidas em voz alta durante um jantar com seus amigos mais próximos?
Dirigido por Júlia Jordão e lançado nos cinemas brasileiros em 10 de abril de 2025, o longa é a adaptação nacional do sucesso italiano Perfetti Sconosciuti (2016), de Paolo Genovese.
E embora mantenha a essência da trama original, a versão brasileira ganha vida própria ao se apropriar dos dilemas, gírias e vícios tecnológicos do nosso cotidiano tropical, e entrega uma experiência que vai do riso escancarado ao incômodo silencioso — tudo isso sem sair da sala de jantar.
Uma noite para celebrar — e talvez nunca mais esquecer
Tudo começa com uma reunião de amigos para celebrar a nova casa do casal Carla (Sheron Menezzes) e Gabriel (Danton Mello). A atmosfera é descontraída, recheada de piadas internas, vinho, memórias compartilhadas. Entre risos e brindes, surge o elemento que transforma o jantar em jogo: a filha adolescente do casal, Alice, propõe uma brincadeira que logo vira provocação — "vamos colocar os celulares sobre a mesa e ler em voz alta toda notificação que chegar até o fim da noite?"
O que parece inocente se revela devastador. Um a um, os participantes começam a ver suas vidas escancaradas. Mensagens privadas, fotos, chamadas inesperadas, conversas que deveriam permanecer no escuro — tudo vem à tona, detonando segredos, ciúmes, traições e inseguranças que estavam bem ali, escondidos embaixo de uma tela.
O celular como o novo oráculo da verdade
Perfeitos Desconhecidos nos mostra aquilo que talvez seja óbvio demais para ser dito: ninguém é exatamente o que parece ser — especialmente entre amigos. O celular, aqui, ganha status de personagem. Um personagem frio, impassível e impiedoso. Ele não julga, mas entrega. Ele não fala, mas revela.
O jogo transforma o jantar em uma arena. Os casais que antes riam entre goles de vinho agora se encaram com olhos cheios de dúvida. Os amigos que juravam lealdade questionam alianças. E o público, cúmplice em sua poltrona, assiste à implosão da harmonia com um desconforto curioso: e se fosse comigo?
A grande sacada do roteiro é nunca apontar o dedo. As revelações não são construídas para chocar gratuitamente. Elas surgem com naturalidade, quase como um espelho da nossa própria hipocrisia cotidiana. Quantas vezes você não digitou algo que jamais teria coragem de dizer? Quantas conversas paralelas existem enquanto estamos em grupo?

Direção com olhar afiado e ritmo impecável
Júlia Jordão, em sua estreia na direção de longas-metragens, demonstra uma segurança impressionante. Em um filme que se passa quase integralmente em um único ambiente, é preciso domínio de câmera, tempo e sensibilidade para manter a tensão viva. E ela consegue.
A câmera dança entre os personagens com fluidez. Em alguns momentos, ela nos coloca dentro da mesa, como mais um convidado. Em outros, se afasta, como se dissesse: isso aqui não é mais um jantar, é um campo de batalha. A edição é cirúrgica, entregando respiros entre as revelações, permitindo que o espectador processe o que acabou de ouvir — ou sinta o desconforto se acumular na garganta.
Outro acerto é o uso pontual de flashbacks e áudios do celular. Quando uma mensagem aparece, ouvimos sua notificação. A familiaridade do som amplifica a tensão. Afinal, quantas vezes você se apavorou com um "plim" no meio de uma conversa importante?
Elenco afiado e extremamente à vontade em cena
Sheron Menezzes, como Carla, é o coração pulsante da história. Ela transita com maestria entre a leveza da anfitriã e a rigidez de quem esconde uma mágoa profunda. Sua performance cresce conforme a tensão se acumula, culminando em um monólogo de partir o coração.
Danton Mello, como Gabriel, entrega uma atuação contida e inteligente. Seu desconforto é sutil, mas presente desde os primeiros minutos. Fabrício Boliveira, Débora Lamm, Gisele Itié, Thati Lopes e Raphael Logam completam o elenco com interpretações que exploram a complexidade de seus personagens — todos entre o riso e o medo, entre a cumplicidade e o julgamento.
Cada ator traz verdade para seus papéis, fazendo com que a trama nunca soe artificial. É fácil acreditar que aquele grupo de pessoas se conhece há décadas. E talvez por isso doa tanto ver os vínculos desmoronando.

Adaptação que respeita a origem, mas tem sotaque brasileiro
Embora inspirado na obra italiana, Perfeitos Desconhecidos faz uma bela escolha: adaptar não apenas a história, mas o espírito da comédia dramática para o Brasil. Aqui, o celular não é apenas um dispositivo — é extensão da alma. É onde se guarda o desejo reprimido, o adultério mal resolvido, a crítica nunca dita, o segredo de família, a piada cruel.
O texto, assinado por Rafaela Carvalho, insere elementos da cultura brasileira com naturalidade. Há falas que brincam com a política, com o universo digital, com a maternidade e com o machismo, sem parecer panfletário. É tudo dito entre risos nervosos, como acontece na vida real.
O filme também acerta em usar a figura da filha influenciadora como motor da trama. Alice, apesar de estar ausente da mesa, é o espelho de uma geração que nasceu exposta — e que não vê problema em compartilhar tudo. Ela, aliás, é a única que não se assusta com as revelações. Para ela, tudo sempre foi visível.
Humor afiado, mas com gosto agridoce
A comédia de Perfeitos Desconhecidos não está nas piadas óbvias, mas no desconforto. Rimos porque sabemos que aquilo é verdade. Porque já estivemos naquela posição. Porque já dissemos "isso nunca aconteceria comigo", enquanto escondíamos nosso próprio celular virado para baixo.
Há momentos em que a plateia gargalha — e segundos depois silencia. Porque, no fundo, rir da desgraça alheia é fácil. Difícil é admitir que nossos segredos também estão a um toque de distância de serem revelados.
Reflexão sobre privacidade, moral e hipocrisia
No fim das contas, Perfeitos Desconhecidos é uma comédia de máscaras. E não há nada mais atual do que discutir o quanto escondemos sob elas. O filme escancara nossa fragilidade diante da transparência forçada. Ele pergunta, sem precisar gritar: por que precisamos tanto esconder, se dizemos viver com verdade?
O longa também provoca reflexões sobre os limites do compartilhamento. Sobre como a tecnologia mudou a forma como nos relacionamos. Sobre como estar conectado não é o mesmo que estar próximo. E, sobretudo, sobre como o julgamento moral pode ser uma armadilha — porque ninguém, absolutamente ninguém, está imune à falha.

Final surpreendente e catártico
Sem dar spoilers, é preciso dizer que o desfecho de Perfeitos Desconhecidos é um golpe de mestre. Ele nos leva a refletir sobre o que é real e o que não é. Sobre as consequências de nossos atos — e, principalmente, sobre as escolhas que fazemos para manter a aparência da harmonia.
Você vai sair do cinema com vontade de olhar para seus amigos de outro jeito. Vai repensar a senha do seu celular. Vai lembrar daquela mensagem não respondida. E talvez, só talvez, vai desejar uma noite sem notificações.
Perfeitos Desconhecidos: Um filme necessário, divertido e perturbador — como a vida é
Perfeitos Desconhecidos é um daqueles filmes que você assiste com leveza, mas carrega com peso. Ele diverte, mas não poupa. Ele provoca, mas não aponta. Ele ri com você — e também de você.
Com uma direção elegante, um elenco impecável e um roteiro que mistura humor, crítica social e dor com a mesma colher, o filme se firma como uma das comédias mais inteligentes do cinema brasileiro recente. Uma obra que, mesmo adaptada, fala com autenticidade sobre quem somos — e quem fingimos ser.
Porque, no fim das contas, talvez sejamos todos perfeitos desconhecidos — até que a próxima mensagem chegue.
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