[CRÍTICA] SNEAKS: de pisante novo – uma aventura urbana com alma, ritmo e estilo
- Manu Cárvalho
- 18 de abr.
- 5 min de leitura
Atualizado: há 3 dias
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Não é todo dia que a gente vê uma animação que transforma algo do cotidiano — como um par de tênis — em protagonistas com alma, humor e sonhos próprios. Mas é exatamente essa a proposta ousada e, em grande parte, encantadora de “Sneaks: De Pisante Novo”, longa animado que estreou nos cinemas em 17 de abril de 2025, com direção de Rob Edwards e produção de Chris Jenkins.
A premissa pode parecer excêntrica à primeira vista: e se os tênis tivessem sentimentos, história, amizades e uma missão própria? Mas sob essa camada divertida, o filme mergulha em temas que vão da cultura sneakerhead à autoaceitação, passando pela representatividade urbana, a importância da comunidade e o desejo universal de encontrar nosso lugar no mundo — seja ele uma quadra de basquete, um estúdio de dança ou um vitrine cheia de sonhos.
Sinopse: quando o asfalto vira mapa de reencontro
O enredo gira em torno de Téo e Beca, um par de tênis de grife, guardados a sete chaves na caixa de um jovem chamado Edson, cujo sonho é se tornar um jogador profissional de basquete. No momento em que Edson finalmente calça seus amados pisantes para uma grande apresentação, um inesperado roubo coloca fim à festa: os tênis são levados por um colecionador excêntrico e viciado em relíquias raras do mundo sneaker.
Téo e Beca são separados no processo, e a partir daí, acompanhamos a jornada solo de Téo pelas ruas caóticas e vibrantes de Nova York, tentando reencontrar Beca. No caminho, ele conhece Beto, um tênis irreverente, fã de música e brilhos, e outros personagens igualmente peculiares: chinelos filósofos, saltos glamorosos, tênis aposentados e sapatilhas de balé que carregam cicatrizes e histórias.
Enquanto os sapatos se aventuram por becos, lojas e becos underground da cidade, também conhecemos mais sobre Edson, que enfrenta sua própria jornada de amadurecimento e superação fora das quadras.
Animação com identidade: cores, sons e alma das ruas
O visual do filme é um verdadeiro deleite. Nova York é retratada com um olhar colorido, multicultural e cheio de personalidade — longe do clichê dos arranha-céus frios e mais próxima das esquinas grafitadas, feiras, lojas pequenas e quadras de bairro. Cada ambiente carrega a energia das ruas: das cores vibrantes do Bronx aos grafites do Brooklyn, passando pelas lojas escondidas que só quem é da cena sneakerhead conhece.
A direção de arte acertadamente mistura animação 3D com elementos de street art em 2D, criando camadas visuais que conversam diretamente com a estética da cultura urbana. A câmera simula movimentos de vídeos de dança, tomadas rápidas de skate e até drones em perseguições, o que dá dinamismo e identidade própria à narrativa.

Trilha sonora: o coração pulsante do filme
Se tem um elemento que realmente carrega a alma de "Sneaks", é a música. A trilha sonora foi assinada por Terrace Martin, com produção de nomes como DJ Mustard e participações de Roddy Ricch, Ella Mai, Quavo, Macy Gray, Swae Lee, entre outros.
As músicas vão desde batidas lo-fi com sintetizadores até faixas dançantes que remetem ao R&B e ao hip-hop dos anos 2000. A trilha não está lá apenas para ambientar — ela dialoga com a narrativa, comenta as emoções dos personagens e embala os momentos mais sensíveis e inspiradores da trama.
Um dos grandes momentos do filme, por exemplo, acontece quando Téo precisa atravessar um túnel escuro e desconhecido — e a música que acompanha a sequência fala sobre perder o rumo para encontrar a coragem. É bonito, emocionante e muito bem costurado.
Vozes brasileiras: um show à parte
A dublagem nacional de “Sneaks: De Pisante Novo” é um espetáculo por si só. MC Jottapê empresta sua voz e sua ginga para o protagonista Téo, trazendo frescor, humor e espontaneidade para o personagem. É impossível não sorrir com as tiradas rápidas, os improvisos cheios de gírias e os momentos em que ele canta baixinho no meio das falas. Jottapê dá ao personagem uma brasilidade legítima — e isso não passa despercebido.
Christian Malheiros, com sua voz mais grave e postura firme, dá vida ao Beto, o tênis parceiro de Téo na jornada. E como cereja do bolo, Rayssa Leal, a “fadinha do skate”, estreia como dubladora com doçura, naturalidade e carisma, dublando uma sapatilha que representa leveza e resiliência.
A química entre os personagens é ótima e o cuidado com a adaptação dos diálogos para o português é visível. As referências culturais brasileiras, como gírias urbanas e trocadilhos sobre funk e futebol, tornam a experiência ainda mais próxima do público nacional.

Entre passos, sonhos e escorregões: o que “Sneaks” realmente quer dizer
Apesar da roupagem leve, Sneaks carrega mensagens importantes. A principal delas é sobre autenticidade. Téo começa o filme se vendo como parte de um par perfeito. Separado de Beca, ele precisa descobrir quem é por si só — sem a outra metade. Ao longo da jornada, ele entende que seu valor não está em ser o tênis mais caro ou mais bonito, mas em ter história, em resistir, em caminhar.
O filme também toca em temas como autoestima, representatividade negra e periférica, crítica ao consumo desenfreado e até uma leve alfinetada na forma como produtos são fetichizados. A figura do colecionador, por exemplo, é retratada como alguém obcecado por posse, mas que não entende o valor simbólico do que tem.
Crítica e recepção: entre elogios e tropeços
A recepção crítica de Sneaks foi morna, mas curiosa. No Rotten Tomatoes, a nota está por volta dos 58%, enquanto no Metacritic, a média gira em torno de 60/100. Os elogios se concentram na proposta criativa, no ritmo divertido e no apelo cultural que valoriza a estética de rua. Críticos também destacam a representatividade presente no elenco e na trama como um passo importante dentro das animações comerciais.
No entanto, algumas críticas apontam a narrativa como um tanto previsível, com uma estrutura de “viagem do herói” já bastante explorada. Outro ponto é que certos momentos do roteiro parecem forçados a entregar mensagens de forma muito didática, especialmente nos diálogos finais.
Ainda assim, o saldo é positivo. Sneaks não tenta ser um novo Toy Story — ele sabe de onde veio, para quem fala, e o que quer dizer. E isso, por si só, já é uma lufada de ar fresco.
Um olhar sobre o design: estilo que se conta com cadarço e sola
Um dos aspectos mais divertidos do filme é o cuidado com o design dos calçados-personagens. Cada tênis tem personalidade própria, inspirada em modelos reais: tem tênis de corrida minimalista, tênis vintage estilo Air Jordan, sapatos de couro retrô, botas de hip-hop e até crocs com adesivos!
Essas escolhas não são aleatórias. O design traduz o que aquele calçado representa no mundo real — um tênis que já passou por muitos pés se comporta como alguém experiente. Um modelo recém-lançado ainda não sabe como reagir ao mundo. É tudo bem pensado e encantador.

Um pisante novo, com alma velha (e querida)
“Sneaks: De Pisante Novo” pode até não revolucionar a animação como gênero, mas consegue fazer o que muitas grandes produções esquecem: criar identificação com quem raramente se vê representado nas telonas. Seja pelas vozes brasileiras, pela estética vibrante ou pelas mensagens de pertencimento e superação, o longa entrega um combo de humor, cultura e emoção que vale o ingresso.
Em tempos de narrativas pasteurizadas, ver um filme que fala com o jovem periférico, com o skatista, com o artista de rua, com o menino que sonha em ter um par de tênis novo, é uma vitória da diversidade — e da criatividade.
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