Chef brasileira é premiada nos EUA por levar a essência do Brasil para o mercado americano
Giovana Camargo Rodrigues, uma referência na gastronomia, acaba de ser premiada no Portuguese and Brazilian Awards em Nova York, celebrando sua trajetória internacional ao unir a cozinha brasileira com o mercado de food service nos Estados Unidos. Formada pela renomada Le Cordon Bleu Paris, Giovana é uma força inovadora. Sua capacidade de transformar produtos tradicionais em experiências globais a levou a ser reconhecida não só no Brasil, mas também em solo norte-americano.
Há mais de oito anos em Orlando, Giovana se destaca por criar uma conexão entre as duas culturas, com sua ousadia em introduzir, por exemplo, o pão de queijo nos parques da Disney e Universal Studios. O sucesso do produto, adaptado para a dieta sem glúten, é prova de que a cozinha brasileira tem muito a oferecer ao mundo. Mais que gastronomia, seu trabalho é um ato de resistência e celebração da nossa cultura, algo que dialoga diretamente com o orgulho de sermos brasileiros.
Além de inovar no mercado, Giovana mantém um compromisso social com as novas gerações. Seu livro "Mão na Massa" já ensinou mais de 7 mil crianças brasileiras a explorar a culinária de forma lúdica, reforçando a importância da educação alimentar como ferramenta de transformação social. Reconhecida pela American Culinary Federation, Giovana segue como uma das maiores embaixadoras da gastronomia brasileira, levando os sabores de nossa terra para novas mesas ao redor do mundo.
Na entrevista a seguir, a chef compartilha os desafios, as inspirações e o orgulho de ver a culinária brasileira ganhar cada vez mais espaço e prestígio em solo americano.
PÀHNORAMA - Giovana, sua trajetória internacional é marcada pela inovação ao levar a culinária brasileira para o mercado norte-americano. Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao adaptar sabores tradicionais, como o pão de queijo, para um público global, e como superou essas barreiras culturais e gastronômicas?
Giovana Camargo - Os americanos são mais cautelosos para provar coisas novas, por isso é preciso ir descobrindo os pontos em comum para apresentar um novo sabor. A picanha, por exemplo, eu adaptei em um prato tradicional americano chamado "Surf and Turf" - um mix de proteína bovina com frutos-do-mar. Minha ideia para conseguir entrar no paladar dos norte-americanos com o pão de queijo foi a seguinte: discursar sobre um produto gluten free de fácil preparo como um bom lanchinho para as crianças que levam lancheira para escola. E foi um sucesso!
Farofa, por outro lado, foi outra luta, eles dizem estar comendo areia. E a feijoada foi o prato mais icônico. Eu falava: "feijoada" e eles entendiam "fish water" (água de peixe). Me diverti muito com essa similaridade fonética. Eles amam porco, então não foi um prato difícil de atrair a atenção deles, mas eles definitivamente não entendem a razão da pronúncia e nem da laranja como parte do prato. Mas o desafio "feijoada" foi dado como um sucesso.
PÀHNORAMA - Seu trabalho com educação alimentar, especialmente voltado para crianças com o livro "Mão na Massa", tem um impacto social significativo. De que forma você acredita que a culinária pode transformar a sociedade e quais são os próximos passos que você planeja nessa área?
Giovana Camargo -Quando eu fui convidada a escrever me indaguei por vezes... ninguém mais lê! As pessoas se adaptaram às curtas métricas de conteúdos de internet. Quando minhas filhas eram pequenas eu as colocava constantemente a "colocar a mão na massa" - reuníamos as crianças para fazer bolos de xícara de microondas, massas artesanais e aquela bagunça com ovos e farinha de sêmola na cozinha. Hoje, já adultas, elas e seus amigos se recordam com muito amor nas tardes de bagunça na cozinha na "casa da tia Gi".
No exílio do lar durante a Covid 19, peguei meu livro de receitas de quando era criança e comecei a digitar, letra por letra para mandar para os amigos de minhas filhas. Foi então que uma das crianças, que hoje já é um homem adulto, me mandou uma mensagem: "Tia Gi, vamos publicar, levar para as crianças e fazer a bagunça que fazíamos quando éramos crianças?".
Eu topei com uma condição: não vender nenhum exemplar. Deveríamos simplesmente trocar um livro por um pacote de fraldas geriátricas para idosos de algumas instituições do meu estado, Paraná.
Assim fluiu. Quando fui ao Brasil em 2023 tive a oportunidade de tirar uma criançada do celular e colocá - los para cozinhar e mais de 7 mil livros se transformaram em fraldas geriátricas. São receitas simples, gostosas de fazer e memórias, muitas memórias, do paladar da minha infância, da infância das minhas filhas, com uma voltinha a toda a América Latina e do Norte com receitas dos amigos que fiz nessa trajetória.
PÀHNORAMA - Sendo uma chef premiada e uma mulher de negócios de sucesso, como você enxerga o papel das mulheres na gastronomia, tanto no Brasil quanto internacionalmente? Quais mudanças ou avanços ainda são necessários para promover uma maior equidade de gênero no setor?
Giovana Camargo - Não acredito "em gênero" na cozinha, acredito em alma nos alimentos. A equidade sempre existiu na culinária, na minha opinião, podendo citar a grande precursora da gastronomia mundial Catherine de' Medici (1547 - 1559).
Minha mãe não fritava um ovo, meu sogro fazia grandes banquetes, minha avó alimentava mesas fartas, meu tio seguiu a tradição. A cozinha que prego é uma cozinha de afeto, de curiosidade. Existem grandes nomes de todos os gêneros na culinária mundial. Cozinha é paixão, cozinha é alquimia, cozinha é alma, independente de credo, raça, cor, sexo ou religião.
PÀHNORAMA - Com mais de oito anos de experiência no mercado de food service dos Estados Unidos, como você avalia o futuro da culinária brasileira em cenários internacionais?
Giovana Camargo - Um ponto muito simples: têm brasileiro, nem que seja um, em todas as partes desse planeta. Onde moro, por exemplo, existem mais de 300 mil brasileiros, o triplo da população da minha cidade Natal no interior do Paraná.
Estive recentemente no Maine, Norte dos EUA, estive no Alasca, encontrei brasileiros, estive em Sirmione na Itália, encontrei brasileiros. Numa pitoresca ilha da Grécia também ouvi português. Estamos, nós brasileiros, em toda parte do mundo - e onde quer que eu ouça português eu puxo um "Oiiiiii que orgulho encontrar alguém falando minha língua mãe!".
Faz parte da minha essência, faz parte da minha natureza. Usei essa tática da comunicação para o mercado de trabalho, interligar brasileiros com pessoas de outras etnias e nas línguas que não domino, uso a tecnologia de um Google Tradução ou aplicativos como "Say Hi", que traduz tudo para qualquer idioma.
Para inserir a culinária brasileira no Food Service americano uso sempre a mesma técnica: empatia, conhecimento culinário, alegria e a grande técnica da comunicação. Quando estou atuando nos produtos que desenvolvo no mercado internacional, não saio de uma roda de americanos sem ao menos fazê-los provarem. Sempre respeitando os credos religiosos, pessoas alérgicas ou com restrições alimentares, esse é o único ponto.
Meu trabalho é 100% direcionado a chefs de cozinha, que já tem uma "mente mais aberta" para provar coisas novas. Meu discurso é sempre comprovar com números demográficos a quantidade de brasileiros na região e provar com números financeiros a rentabilidade que os chefs terão se adicionarem produto que seja latino para atrair mais clientes - e tem funcionado.
PÀHNORAMA - Quais ingredientes ou pratos brasileiros ainda têm potencial de crescimento global, e como você pretende continuar inovando nesse segmento?
Giovana Camargo - Tudo depende do referencial adotado. O Brasil já é líder mundial em vários produtos, commodities por sua extensão e vasta produção agrícola como o trigo, a soja, açúcar, carne bovina, setor avícola etc.
O meu objetivo de atuação é à simbiose: levar para o Brasil formatos de produtos que funcionam no Food Service americano - como meu produto recém lançado no Brasil e líder de vendas, único molho de pizza voltado 100% para o Food Service - e trazer para a América produtos brasileiros seguindo as normas e regras do Food Service americano. Molhos de Pimenta, Pão de queijo e até pão de alho já ganharam espaço nos paladares americanos. Linguiças e queijos serão meus próximos itens de atuação.
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