Envelhecer LGBT+: memória, resistência e urgência na 29ª Parada de São Paulo
- Da redação
- 23 de jun.
- 3 min de leitura
Com o tema “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro”, a histórica 29ª Parada do Orgulho de SP colocou os idosos e idosas LGBTQIAPN+ no centro do debate por dignidade, afeto e políticas públicas — um passo necessário, mas ainda tímido.

No domingo (22/6), a Avenida Paulista ferveu com 17 trios elétricos e multidões cantando “Rainha da Favela”, “Sou Má” e “Paraíso”. Mas o que verdadeiramente capturou o espírito da edição foi o trio Memória, conduzido por pessoas com 60 anos ou mais — um símbolo potente de que envelhecer queer também é resistir. Segundo a organização, mais de 3 milhões de pessoas estiveram presentes — um marco de visibilidade para uma pauta ainda soterrada na política pública brasileira.
Um olhar histórico e urgente:
O tema “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro” foi definido após consulta pública ampla — com mais de 300 participantes, em fóruns presenciais e on-line — sinalizando que a pauta vem de dentro do movimento, e não apenas de ativistas em rede.
A APOLGBT-SP elaborou uma programação robusta na semana que antecedeu a Parada:
Exposição “O mais profundo é a pele” (Museu da Diversidade Sexual, de 30/5 a 31/8), com ensaio visuais sensíveis sobre a idade e identidades LGBTQIAPN+;
Feira Cultural da Diversidade (19/6, Memorial da América Latina), com foco em empreendedorismo e protagonismo de pessoas 50+;
5ª Corrida do Orgulho (21/6, SP Market), reforçando a ideia de saúde coletiva e ocupação simbólica de corpos LGBT+ .
Vozes que marcaram presença
A vereadora Kate Lima (PSOL-SP) fez discurso incisivo:
“Somos contra a escala 6×1 porque não existimos para servir, e sim para amar, para lutar, para construir outras possibilidades e envelhecer com dignidade. Enquanto houver extrema‑direita que quer nos silenciar, nós estamos aqui resistindo.”
Em vídeo gravado, a deputada Érika Hilton ressaltou a ancestralidade queer:
“Olhar para a ancestralidade é projetar o futuro. Reconhecer nossos mais velhos que abriram o caminho… Poder pensar a velhice, para nós, é um privilégio ainda em construção.”
O vazio das políticas — e o que dizem os números
O Brasil tem hoje mais de 31 milhões de pessoas com 60 anos ou mais (IBGE). A ONU considera os anos 2021–2030 como “década do envelhecimento saudável nas Américas”. Mas e os LGBT+ idosos?
São frequentes relatos de abandono, isolamento, invisibilidade nas políticas públicas e até violência doméstica velada. Sem residenciais preparados, sem centros de convivência inclusivos, muitos acabam vivendo na casa de familiares ou na própria invisibilidade. A própria APOLGBT-SP exige: “É preciso cobrar do poder público centros de convivência que respeitem a diversidade… residenciais preparados para corpos e trajetórias plurais… políticas que incluam orientação sexual como marcador prioritário no debate sobre envelhecimento”.
E nas ruas, a presença concreta da ancestralidade
No trio Memória, risos e emoção andaram de mãos dadas. A cantora Pepita subiu ao palco com lágrimas nos olhos, dizendo:
“Cada ruga nesse trio carrega a vitória de ter existido.” E perguntou: “Quantos de vocês têm avôs, avós ou vizinhos queer ainda vivos?” A resposta veio imediata — e emocionada — da multidão.
Mulheres trans com mais de 55 anos marcaram presença com cartazes de “resistência sem fim” e “dignidade em cada ano vivido”.
Envelhecer LGBT+, desafios que seguem — e o futuro que se espera
A Parada foi só o começo. O movimento agora precisa transformar visibilidade em política:
Centros de convivência LGBT+ para idosos/as.
Direito à assistência domiciliar sem discriminação.
Formação de profissionais de saúde para lidar com velhices queer.
Residenciais inclusivos e acolhedores para pessoas trans e não-binárias.
Sem isso, a invisibilidade continua — e morre aos poucos nos lares silenciosos, sem festa, sem desfile, sem resistência.
Reflexão final — sem rótulos, com urgência
Envelhecer LGBTQIAPN+ é mais que enfrentar a idade — é enfrentar um mundo que ainda nega sua dignidade. A 29ª Parada mostrou que memória não é passado: é alicerce. Resistência não é rótulo: é necessidade. E futuro não é promessa: é dever.
Se quisermos um Brasil onde ser velho e LGBTQIAPN+ não signifique abandono, precisamos perguntar: Estamos prontos para construir velhices com orgulho — ou continuamos deixando corpos para trás?
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