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Manu Cárvalho

Nosferatu: uma reinvenção sombria que celebra um século de terror

Atualizado: 2 de jan.

CABINE DE IMPRENSA - Por Manu Cárvalho

Poster do filme nosferatus
Imagem divulgação Nosferatus (Foto: reprodução/Focus Feature)

Em 1922, Nosferatu: Uma Sinfonia do Horror marcou o início de uma nova era no cinema, ao unir arte e terror em um espetáculo visual inovador e inesquecível. O filme, que adaptou de forma não autorizada o romance Drácula de Bram Stoker, transcendeu seu status de controverso para se tornar uma obra atemporal do expressionismo alemão. Agora, em 2024, o diretor Robert Eggers entrega uma releitura audaciosa e sofisticada, que honra as raízes do clássico enquanto expande seu significado para hoje.


Com uma abordagem que mistura fidelidade e inovação, Nosferatu reafirma a força das histórias que desafiam o tempo e a capacidade do cinema de dialogar com nossas emoções mais profundas.


A revisitação de uma lenda

Sob o olhar de Eggers, Nosferatu não é apenas uma adaptação, mas uma exploração das camadas emocionais e psicológicas que sustentam a narrativa. A trama revisita a clássica jornada de Thomas Hutter (Nicholas Hoult), enviado a uma região remota para lidar com os negócios de um misterioso Conde Orlok (Bill Skarsgård). O filme vai além do terror tradicional, mergulhando nas dinâmicas de poder, sedução e sacrifício que unem os personagens. Ellen, interpretada com intensidade por Lily-Rose Depp, emerge como o centro moral da história, uma figura de resistência e coragem em meio à escuridão.


Skarsgård, já conhecido por sua capacidade de interpretar personagens assustadores e carismáticos, entrega um Conde Orlok multifacetado. Ele equilibra o grotesco e o trágico de forma magistral, dando ao vampiro uma presença que é tanto repulsiva quanto hipnotizante. Depp, por sua vez, transcende o papel tradicional da “donzela em perigo” ao incorporar uma Ellen que é tão vulnerável quanto determinada, tornando-se um símbolo de força emocional.


Cena do filme Nosferatus
Cena do filme Nosferatus (Foto: reprodução/Focus Feature)

Fotografia: luzes e sombras que contam histórias

A fotografia de Nosferatu é um dos aspectos mais impressionantes do filme. Sob a direção de Jarin Blaschke, colaborador de longa data de Eggers, cada quadro é cuidadosamente construído para evocar emoções e transportar o espectador para um mundo simultaneamente real e onírico. A paleta de cores, dominada por tons frios como azul e cinza, reflete a desolação e a ameaça constante, enquanto os momentos de calor, com luzes douradas e vermelhas, pontuam as cenas de maior intensidade emocional.


As sombras desempenham um papel crucial na narrativa visual, homenageando o expressionismo alemão que definiu o original de 1922. Os jogos de luz e sombra não apenas criam uma atmosfera de mistério, mas também simbolizam os conflitos internos e externos dos personagens. Close-ups intensos, ângulos inusitados e o uso de profundidade de campo acrescentam camadas de complexidade, transformando cada cena em uma obra de arte que dialoga com a narrativa.


Blaschke não apenas recria o visual do clássico, mas o eleva, utilizando tecnologias modernas para adicionar detalhes que enriquecem a experiência. Desde as texturas das paredes dos castelos até os reflexos na água, cada elemento visual parece estar vivo, contribuindo para a imersão completa do público.


Nosferatu
Cena do filme Nosferatus (Foto: reprodução/Focus Feature)

Trilha sonora: uma sinfonia que ressoa no coração

A trilha sonora de Robin Carolan é outro destaque que merece reconhecimento. Em vez de seguir caminhos óbvios, a composição opta por tons melancólicos e dissonantes que amplificam o desconforto e a tensão da narrativa. A música não apenas complementa as cenas, mas as guia, conduzindo o espectador por uma montanha-russa emocional.


A trilha equilibra momentos de silêncio com explosões sonoras que intensificam o impacto das cenas mais dramáticas, criando uma sinfonia que ecoa na mente mesmo após o término do filme. É impossível não ser absorvida por essa orquestra de emoções que se entrelaçam com a história de forma tão orgânica.


Nosferatu
Pôster do filme Nosferatus (Foto: reprodução/Focus Feature)

Camadas de relevância contemporânea

Além de seu apelo visual e narrativo, Nosferatu ressoa com questões contemporâneas. A personagem Ellen, por exemplo, é um símbolo de resistência contra estruturas patriarcais que continuam a subestimar a força e a voz das mulheres. Suas visões, tratadas como delírios por aqueles ao seu redor, são, na verdade, seu maior poder, destacando a necessidade de se ouvir e valorizar perspectivas femininas.


A dinâmica entre Orlok, Hutter e Ellen também traz reflexões sobre a fragilidade das relações humanas diante do desejo e da ambição. O filme sugere que os monstros que tememos podem ser apenas reflexos de nossos próprios medos e falhas, convidando o público a uma introspecção que vai além do terror.


Cena do filme Nosferatus
Cena do filme Nosferatus (Foto: reprodução/Focus Feature)

Um equilíbrio entre terror e humanidade

Embora Eggers mantenha o tom sombrio que caracteriza o clássico, ele também encontra espaço para momentos de humor negro e humanidade. Personagens secundários, como o excêntrico Professor von Franz e o manipulador Herr Knock, oferecem alívios cômicos que contrastam com a intensidade da trama principal, sem jamais diluir sua gravidade.

Esses momentos de leveza tornam o filme mais acessível e reforçam o equilíbrio que Eggers domina tão bem: o casamento do grotesco com o sublime, do terror com a beleza.


Nosferatu
Montagem com cenas do filme Nosferatus (Foto: reprodução/Focus Feature)

A eternidade de Nosferatu

Como redatora e espectadora, saí da sala de cinema com a sensação de que Nosferatu não é apenas um filme; é uma experiência sensorial e emocional que dialoga com o passado enquanto ilumina o presente. Robert Eggers não se limita a reverenciar o clássico de F.W. Murnau – ele o transforma, adicionando camadas de relevância contemporânea e uma estética que só ele poderia realizar.


Cada sombra projetada na tela, cada nota dissonante da trilha, cada olhar profundo de Orlok ou Ellen parece carregar um pedaço da história do cinema, mas também algo novo, fresco e absolutamente marcante. Esta releitura não apenas reafirma o legado de Nosferatu; ela o expande, garantindo que a lenda do Conde Orlok continue a fascinar, assombrar e inspirar gerações.


Para os amantes do terror ou do cinema como arte, Nosferatu é um lembrete poderoso de por que voltamos às sombras: para enxergar algo de nós mesmos refletido nelas.

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