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Cápsula do Tempo: A Vida Inapagável de Preta Gil

  • Foto do escritor: Ana Soáres
    Ana Soáres
  • 21 de jul.
  • 4 min de leitura

Ontem o Brasil perdeu uma de suas vozes mais corajosas, coloridas e verdadeiras. Preta Gil partiu neste domingo, 20 de julho de 2025, aos 50 anos, deixando para trás muito mais do que canções: deixou marca, memória e um legado que não cabe apenas em notas musicais.


A Vida Inapagável de Preta Gil
Preta Maria Gadelha Gil Moreira - Reprodução/Instagram

Preta Maria Gadelha Gil Moreira nasceu no Rio de Janeiro em 8 de agosto de 1974, dois anos após seu pai, Gilberto Gil, retornar do exílio. Mas ela não herdou apenas o sobrenome do pai — herdou também o ímpeto de ser livre, o talento visceral e a coragem de ocupar espaços com sua voz, seu corpo e sua verdade.


Filha de Gil e de Sandra Gadelha, afilhada de Gal Costa e sobrinha de Caetano Veloso, Preta cresceu imersa na efervescência criativa da Tropicália — mas cedo entendeu que o mundo fora daquele universo não era tão gentil quanto sua família. Negra, fora dos padrões estéticos impostos e bissexual, enfrentou o preconceito desde a infância. E como poucas, soube transformar dor em potência.


Um episódio marcante da sua história foi a própria escolha do nome: o pai quis chamá-la de Preta, mas o tabelião recusou, exigindo um nome “católico”. Foi a avó materna quem interveio: “Preta Maria”, disse. E assim nasceu a mulher que, anos depois, transformaria esse nome em bandeira.


A Voz Que Não Se Calava


Preta começou nos bastidores, trabalhando como produtora musical e diretora artística. Mas em 2003, decidiu ir para o palco e lançar seu primeiro álbum, 'Prêt-à-Porter', que já deixava claro: ela não estava ali para seguir fórmulas, mas para quebrá-las. Misturou pop, samba, funk, axé e muito do que sentia. Ao longo da carreira, lançou trabalhos marcantes como Sou Como Sou (2012) e Todas as Cores (2017), sempre com autenticidade.


Mas sua arte nunca veio separada da sua luta. Preta usou cada palco, cada entrevista e cada aparição para enfrentar de frente o racismo, a gordofobia e a homofobia. Ela falava sobre seu corpo com orgulho, sobre seus amores com liberdade, e sobre sua dor com generosidade. Era uma mulher que se permitia sentir — e por isso, tantas se viam nela.


Seu carnaval também foi símbolo de expressão. O Bloco da Preta, que estreou nas ruas do Rio em 2009, virou uma das maiores manifestações de alegria e liberdade do país. Ali, entre o batuque e o glitter, Preta se tornava multidão.


Mãe, Filha, Amiga


Preta teve um único filho, Francisco Gil, o Fran, músico dos Gilsons, grupo formado com os filhos e netos de Gilberto Gil. E nele, deixou continuidade, amor e música. A maternidade foi parte importante da sua história — e também sua maneira de seguir existindo nas próximas gerações.


Seus laços familiares iam muito além dos de sangue. Preta era agregadora. Reunia amigos, artistas, colegas e fãs em torno de uma mesa, de uma causa, de um abraço. Era conhecida por sua generosidade e também por sua franqueza: dizia o que pensava, defendia quem amava, não abaixava a cabeça.


A Luta Pela Vida


Em janeiro de 2023, Preta revelou ao público o diagnóstico de um câncer no intestino. A doença a afastou dos palcos, mas não da luta. Pelo contrário. Ela compartilhou sua batalha de forma transparente, tornando o processo um ato de conscientização, coragem e fé.


Enfrentou cirurgias, tratamentos, internações e recomeços. Em dezembro de 2023, celebrou o fim da quimioterapia com uma mensagem de gratidão aos fãs e à vida. Disse que “a travessia tinha sido difícil, mas repleta de amor”. Sua recuperação foi, por um tempo, símbolo de esperança para muitos que também enfrentavam a doença.


Infelizmente, em 2025, complicações de saúde se intensificaram, levando à sua morte neste domingo. A notícia foi confirmada pela equipe da artista, e desde então, o Brasil inteiro parece respirar mais devagar.


O Que Fica


Preta Gil foi muitas coisas: cantora, apresentadora, empresária, mãe, filha, amiga, musa, militante, mulher. Mas acima de tudo, foi corajosa. Viveu sem pedir licença. Falou sobre o que era considerado “vergonha” com o peito aberto. Mostrou que ser quem se é — com tudo que isso inclui — pode ser um ato revolucionário.


Ela não se encaixava. E nunca quis. Preferia explodir as caixas, dançar fora da curva, amar fora das regras.


Seu nome está cravado não apenas na história da música brasileira, mas no imaginário de todas as pessoas que se sentiram sozinhas alguma vez por serem “diferentes”. Preta fez com que elas se sentissem vistas, ouvidas, acolhidas.


Ela agora se junta ao irmão Pedro, que perdeu ainda jovem, e a tantos outros que partiram cedo demais. Mas sua voz, seu sorriso e seu brilho continuarão ecoando nas ruas, no carnaval, nas canções dos Gilsons, nas conversas entre mulheres, e em todos que ousam viver sem pedir desculpas.


Obrigada, Preta.


Por sua voz, sua luta e seu coração. Que sua travessia seja leve e rodeada de luz. Nossos sentimentos e todo o carinho à família, especialmente ao seu filho, Fran, sua neta, Sol de Maria, seus pais Gilberto Gil, Sandra Gadelha, sua boadrasta Flora Gil, seus irmãos e a todos os que a amaram. 

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