
O filme “Wicked” (parte 1) chegou nos cinemas brasileiros em 21 de novembro de 2024, dirigida por Jon M. Chu, com participação de Cynthia Erivo (Elphaba) e Ariana Grande (Glinda). A obra é uma adaptação cinematográfica no musical da Brodway, que é uma adaptação do livro de mesmo nome escrito por Gregory Maguire em 1995. A história tem como protagonistas Elphaba e Glinda, as bruxas da obra infantil O Mágico de Oz. A produção original da Broadway venceu três Tony Awards, enquanto o álbum com a trilha sonora recebeu um Grammy.
A trama se passa antes dos eventos de “O Mágico de Oz” e Maguire oferece nela sua própria interpretação de como Elphaba se transformou na vilã Bruxa Má do Oeste. O autor declarou em entrevista para o site Broadway World:
“Comecei a refletir, de fato: ‘O que torna alguém perverso? O que é o mal, e como o utilizamos social e culturalmente? Como empregamos esse conceito para legitimar nossa inclinação para a ganância, o egoísmo e a autojustificação?’ Passei a buscar uma maneira de escrever sobre o mal”

OZ é comandada pelo Mágico. O Mágico é um homem com origens misteriosas cujas conquistas e feitos é admirada e reverenciada, mas nunca ninguém viu seu rosto. O que se sabe sobre ele é que chegou na Terra de Oz por um balão e salvou a população da fome e da miséria.
Antes do Mágico chegar em Oz, os animais falantes viviam livres pela terra. Eles ocupavam cargos, exerciam funções e eram parte integral da sociedade. No presente de Oz, os animais falantes trabalham em cargos de relevância cada vez menos ou até mesmo dividindo espaço com os humanos.

Elphaba é uma defensora dos direitos dos animais falantes e está profundamente incomodada com a sua situação atual. Ela se matricula na Universidade de Shiz e conhece Glinda, sua companheira de quarto, que é bonita e popular (e será futuramente conhecida como a Bruxa Boa). No início as duas não se dão bem, mas se tornam amigas. Depois de um tempo estudando na Universidade, Elphaba é convidada pelo Mágico em pessoa para visitá-lo. Ela aceita o convite na esperança de discutir a situação atual dos animais falantes e leva Glinda com ela.
Elphaba é uma mulher habilidosa e talentosa. Sua origem e tom de pele, no entanto, a colocam à margem da sociedade, sendo discriminado por sua pele verde e sofrendo bullying. Ela é rejeitada pelo pai que a culpa pela deficiência física de sua outra filha. Sua irmã Nessarosa também a rejeita por “sempre chamar a atenção” e lhe tirar a oportunidade de “ser notada” pelas pessoas. É acompanhando Nessarosa em seu primeiro dia na Universidade que Elphaba é notada e convencida a também se matricular para desenvolver seus poderes mágicos naturais. Glinda é sua principal agressora - motivada principalmente pelo ciúme - e os demais estudantes vão em sua onda para agradá-la. É somente após que Glinda se arrepende e elas se tornam amigas que as coisas melhoram para Elphaba.
Dados do segundo trimestre de 2024, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE, revelam que a população negra no Brasil correspondia a 56,7% da população brasileira. Embora no país bullying e racismos sejam crimes, uma pesquisa da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC), contratada pelo Projeto SETA e pelo Instituto de Referência Negra Peregum em 2023 revela que a cada 10 pessoas que relatam ter sofrido o racismo no Brasil, 3,8 foram vítimas da violência em escolas, faculdades ou universidades (local onde Elphaba estuda para aprimorar suas habilidades no filme). 2 mil pessoas foram ouvidas no levantamento Percepções Sobre o Racismo. A pesquisa revela que:
38% sofreram racismo na escola/faculdade/universidade;
29% sofreram racismo no trabalho;
28% sofreram racismo em espaços públicos (ruas, parques, praças etc.);
18% sofreram racismo em estabelecimentos comerciais (supermercados, shopping, lojas de rua, cinemas, restaurantes etc.);
11% sofreram racismo no ambiente familiar.
Ainda segundo a pesquisa, foram citados como ambientes onde o racismo foi praticado: bancos (10%), na comunidade em que mora (8%), transporte público (7%), espaços religiosos (5%) e agências de recrutamento para o trabalho (3%).
Elphaba no filme é perseguida por sua cor. Ela é interpretada por uma atriz negra, que desabafou no Instagram sobre os memes que viu nas redes sociais:
"Esta é a coisa mais selvagem e ofensiva que eu já vi, igual àquela horrível inteligência artificial de nós lutando, igual a pessoas fazendo a pergunta "sua vagina é verde?". Nada disso é engraçado. Nada disso é fofo. Isso acaba comigo, acaba conosco", começou a dizer, fazendo referência a um vídeo feito em IA que tem rodado na internet onde Elphaba e Glinda saem da imagem do pôster e brigam entre si.
A atriz também falou sobre a edição do pôster que fizeram:

"O pôster original é uma ILUSTRAÇÃO. Eu sou um ser humano da vida real, que escolheu olhar diretamente para você, o espectador, através do cano da câmera... porque, sem palavras, nos comunicamos com nossos olhos. Nosso pôster é uma homenagem e não uma imitação, editar meu rosto e esconder meus olhos é me apagar. E isso é profundamente doloroso", declarou.


A arte imita a vida, já dizem. Muitas vezes nos deparamos com essa máxima do pensamento humano, mas essa imitação revela frequentemente as fraturas profundas de nossa sociedade. A arte é uma representação da vida humana, sua matéria-prima é feita das capturas dos sentimentos e experimentação de homens e mulheres que caminham no planeta e também constitui-se das vivências, traumas e resistências de povos historicamente marginalizados e silenciados. A história de Elphaba ecoa a vivência da população negra e marginalizada da sociedade. Não por acaso, as expressões de violência racial nas diferentes linguagens artísticas emergem como testemunho doloroso de uma realidade que persiste - são o grito dos que foram e continuam sendo oprimidos pelo preconceito racial, transformando a dor em potência criativa e denúncia social.
Excelente análise, Érica. 👏👏👏
Crônica muito boa, falando de um tema atual que deve ser combatido na sociedade
Perfeita colocação, vale a reflexão sobre seres humanos marginalizados por uma sociedade hipocrita
🤍
Ótima e atual reflexão!