[CRÍTICA] A Mulher no Jardim: Quando o terror brota do solo da culpa
- Manu Cárvalho
- há 1 dia
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LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Em A Mulher no Jardim, o diretor Jaume Collet-Serra nos conduz por uma jornada sombria e introspectiva, onde o terror não se limita ao sobrenatural, mas emerge das profundezas da psique humana.
Ramona, interpretada magistralmente por Danielle Deadwyler, é uma mulher marcada por uma tragédia: um acidente de carro que tirou a vida de seu marido, David (Russell Hornsby), deixando-a com ferimentos físicos e emocionais profundos. Isolada em uma fazenda rural com seus dois filhos, Taylor (Peyton Jackson) e Annie (Estella Kahiha), ela enfrenta não apenas a dor da perda, mas também a presença inquietante de uma mulher misteriosa vestida de preto que aparece repetidamente em seu jardim, proferindo a enigmática frase: “hoje é o dia.”
A figura enigmática, interpretada por Okwui Okpokwasili, serve como uma manifestação tangível dos demônios internos de Ramona. À medida que a narrativa avança, torna-se evidente que essa mulher é mais do que uma mera aparição sobrenatural; ela personifica a culpa, o luto e os pensamentos suicidas que assolam a protagonista. A revelação de que Ramona estava ao volante durante o acidente fatal — e que possivelmente o provocou intencionalmente — adiciona camadas de complexidade à sua luta interna.
A direção de Collet-Serra é sutil e eficaz, utilizando o ambiente isolado e a atmosfera opressiva para intensificar o suspense. A cinematografia de Pawel Pogorzelski capta a decadência da casa e a vastidão do campo ao redor com maestria, refletindo o estado emocional de Ramona. A trilha sonora de Lorne Balfe complementa a tensão crescente, sem jamais sobrepor-se à narrativa.
O maior acerto do filme está em sua capacidade de criar uma atmosfera que sufoca — que aperta o peito do espectador com a mesma intensidade que parece comprimir a sanidade da protagonista. Cada vez que a mulher vestida de preto se aproxima da casa, sentimos o peso dessa pressão psicológica, como se estivéssemos sendo empurrados contra a parede junto com Ramona. E é essa empatia desconfortável que torna o filme tão eficaz.
Ainda assim, apesar das performances poderosas e da direção competente, A Mulher no Jardim enfrenta críticas quanto à sua condução narrativa. Embora o início seja promissor, o enredo se torna nebuloso e um tanto arrastado à medida que se aproxima do clímax. A ambiguidade do final — embora claramente intencional — deixou alguns espectadores com a sensação de que a resolução não correspondeu à intensidade emocional construída ao longo do filme.
Mas essa ausência de respostas talvez seja o ponto mais poderoso da obra. O filme não se preocupa em explicar tudo; ele quer que sintamos. Que sintamos o desespero silencioso de uma mulher em ruínas, a angústia de uma mãe tentando manter a sanidade para proteger os filhos. O terror, aqui, é simbólico, existencial — e por isso mesmo mais real do que qualquer monstro criado em computação gráfica.
A atuação de Deadwyler é o fio que costura esse tecido espesso de emoções reprimidas. Sua expressividade contida, sua linguagem corporal marcada por traumas, tornam Ramona uma protagonista inesquecível. Ela não é uma heroína. É uma mulher fragmentada tentando se reconstruir, pedaço por pedaço, enquanto o mundo ao seu redor desmorona.
Ao final da projeção, o que ecoa não é o medo da mulher no jardim, mas a dor silenciosa de alguém que já viu o fundo do abismo e, ainda assim, precisa levantar todos os dias. O que assombra Ramona não está lá fora — está dentro. E essa é a verdadeira ameaça do filme.
A Mulher no Jardim é menos um filme de terror convencional e mais um estudo psicológico sobre culpa, perda e sobrevivência. Uma imersão sensorial e emocional que exige do espectador entrega e empatia. E quando um filme de terror consegue nos tocar nesse nível — mais do que assustar —, ele transcende o gênero.
⭐ NOTA: 4 de 5 estrelas
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