A Beleza e Suas Exclusões: Mari Saad, Cancelamento Preto e as Responsabilidades do Mercado de Maquiagem

O mundo da beleza pode parecer, à primeira vista, um terreno de pura expressão e liberdade. Mas, assim como outras indústrias, ele também carrega suas sombras e limitações. A recente polêmica envolvendo Mari Saad e sua linha de maquiagem Mascavo é um reflexo direto de como esse universo ainda carrega práticas excludentes, desatentas às demandas de uma sociedade diversa. Em um lançamento que prometia inovar, o que vimos foi a continuidade de um erro que o mercado de cosméticos insiste em repetir: a exclusão de peles negras.

Mari Saad não é apenas uma influenciadora qualquer. Com uma trajetória marcante, destaque na lista Under 30 da Forbes Brasil, construiu seu nome como uma das mais influentes vozes do setor de maquiagem. Com uma base de seguidores que a acompanham há anos, Mari lançou mais de uma centena de produtos durante sua colaboração com a marca Océane. No entanto, ao decidir encerrar essa parceria para criar algo próprio e com uma pegada inovadora, muitos esperavam que Mascavo traria uma visão mais inclusiva e consciente. Afinal, ela mesma havia prometido “um novo caminho”.

Porém, a linha de produtos recém-lançada falhou em incluir uma diversidade mínima de tons, especialmente para as peles negras retintas. Esse ponto é um divisor de águas em um mercado que, na última década, passou por uma revolução de representatividade globalmente, impulsionada por movimentos como o “Black is Beautiful” e por marcas que entenderam a necessidade de abraçar a diversidade com autenticidade. A questão, então, não é só sobre quantos tons de base existem, mas sobre o que essa ausência de opções diz sobre os valores de uma marca e a falta de reflexão profunda sobre o que significa abraçar o todo.

A polêmica estourou rapidamente nas redes sociais. As críticas apontavam para o fato de que, ao lançar Mascavo sem contemplar a vasta gama de tons de pele brasileira, Mari Saad perpetuava um ciclo de exclusão no qual peles negras que são maioria da população brasileira, especialmente as mais escuras, são frequentemente deixadas de fora. Isso gera uma dor real e cotidiana para mulheres que não encontram produtos para seu tom, que se sentem invisíveis em uma indústria que deveria acolhê-las.

Não é apenas uma questão de tom. É uma questão de reconhecimento. Vivemos em um país em que mais da metade da população se declara preta ou parda, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ignorar esse dado em uma linha de maquiagem parece, no mínimo, uma desconexão grave com a realidade brasileira. E essa falha não passa despercebida. O cancelamento de Mari Saad não surge do nada. Ele vem de uma história longa e dolorosa de exclusão e de uma demanda crescente de que as marcas deixem de apenas vender produtos e passem a representar as identidades de quem as consome.

A resposta de Mari Saad, assumindo responsabilidade e se desculpando publicamente, é um passo importante, mas que levanta uma questão crítica: por que ainda estamos repetindo esse erro em 2024? As marcas e seus criadores já deveriam saber que inclusão não é apenas uma tendência, mas uma obrigação. Grandes nomes da indústria internacional, como Fenty Beauty de Rihanna, já mostraram que é possível ser financeiramente bem-sucedido e, ao mesmo tempo, representar uma diversidade de consumidores. O mercado brasileiro, no entanto, ainda está aquém desse compromisso, e a polêmica com Mascavo é só mais um exemplo de como a indústria segue falhando em ver o outro.
O impacto disso, no entanto, não se limita ao Brasil. Essa é uma discussão que ressoa em várias partes do mundo. Em mercados como o norte-americano e o europeu, consumidores têm se mostrado cada vez mais dispostos a cancelar marcas que não representam a diversidade. O setor de beleza, que movimenta bilhões globalmente, precisa se reinventar constantemente e mostrar que está atento às questões de inclusão e representatividade. Os consumidores, hoje mais exigentes e conscientes, já não aceitam menos que o respeito às suas necessidades e ao seu valor.

Para o Brasil, país conhecido por sua riqueza cultural e diversidade, esse tipo de exclusão torna-se ainda mais doloroso. Aqui, a identidade e a representatividade são pautas urgentes. A recente polêmica com Mari Saad é uma oportunidade de reflexão para todo o setor, que precisa revisar seus conceitos e suas práticas. O Brasil exige mais do que promessas vazias de inovação. Exige uma representatividade real, onde todos, de fato, possam se ver.
A lição que fica para Mari Saad e para toda a indústria de beleza é clara: o consumidor mudou. Não basta oferecer produtos esteticamente atraentes e de alta qualidade técnica. A verdadeira inovação está em compreender e respeitar a identidade de quem consome.
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