Tereza de Benguela: a mulher preta que governou como rainha e enfrentou o sistema colonial com coragem e estratégia
- Ana Soáres

- 25 de jul.
- 3 min de leitura
25 de julho – Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra
Em um país acostumado a apagar a força das mulheres negras da sua história, Tereza de Benguela ergue-se como símbolo de liderança, inteligência política e coragem coletiva. Governou com firmeza e ancestralidade um dos maiores quilombos do Brasil colonial, o Quilombo do Quariterê, localizado entre o atual Mato Grosso e a Bolívia. Em sua homenagem, o dia 25 de julho se tornou o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, por força da Lei nº 12.987/2014.
Hoje, no caderno Pretagonistas, revisitamos a história da mulher que foi chamada de “Rainha Tereza” e que liderou negros e indígenas na resistência à escravidão durante quase duas décadas — uma história que não cabe mais nas margens da historiografia branca e precisa estar no centro da memória nacional.

Uma rainha no coração do Pantanal
Tereza viveu no século XVIII e, embora não se saiba ao certo se nasceu no Brasil ou em algum país do continente africano, sua vida foi escrita com o traço forte das mulheres pretas que recusaram a submissão.
Após o assassinato de seu companheiro, José Piolho, líder do Quilombo do Piolho (ou Quariterê), Tereza assumiu o comando da comunidade e estabeleceu um governo baseado em conselho, parlamento e organização coletiva. Era respeitada, chamada de Rainha Tereza, e reconhecida como autoridade máxima em um território que desafiava o poder colonial.
O quilombo chegou a reunir mais de 100 pessoas, entre negros fugidos da escravidão e indígenas em resistência. Viveram da agricultura, da pesca e da produção artesanal. Com barcos navegando pelos rios do Pantanal, Tereza coordenava a troca e o comércio de bens, incluindo armas obtidas em escambo com brancos ou capturadas em batalhas. Os mesmos instrumentos de ferro que os opressores usavam contra seu povo eram transformados em ferramentas de trabalho — o símbolo mais eloquente de resistência e reinvenção.
Um quilombo com parlamento e armas forjadas por Tereza de Benguela
Na contramão da imagem romantizada de quilombos como comunidades isoladas e desorganizadas, o Quariterê era estrategicamente estruturado. Os relatos históricos, como os Anais de Vila Bela (1770), revelam que Tereza comandava um parlamento negro — um verdadeiro "Senado do Negral", como foi chamado — onde decisões eram tomadas de forma coletiva, com representantes escolhidos, reuniões semanais e autoridade centralizada na figura da rainha.
“Governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entrava os deputados... Isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia.”(Anais de Vila Bela, 1770)
Ela liderou não apenas um levante, mas uma experiência de organização política afrocentrada, onde a economia, a segurança e a convivência eram moldadas à imagem de um futuro livre. Um modelo de sociedade que ousava existir mesmo quando o Brasil ainda era colônia.
Morte, resistência e legado
O Quilombo do Quariterê resistiu até 1770, quando foi destruído pelas forças do governo colonial comandadas por Luís Pinto de Sousa Coutinho. Há versões divergentes sobre o fim da vida de Tereza: uma diz que ela teria tirado a própria vida para não ser escravizada novamente; outra afirma que foi capturada e assassinada, com sua cabeça exposta como aviso aos demais.
Nenhuma dessas versões, no entanto, apaga o brilho do seu legado.
Tereza vive. E com ela, todas nós.
Ao lado de outras pensadoras e guerreiras negras como Dandara, Luiza Mahin, Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro, Jurema Werneck e tantas outras, Tereza de Benguela é mais que um nome nos livros: é um caminho ancestral de luta, sabedoria e estratégia coletiva.
A sua história nos atravessa e nos movimenta até hoje, ecoando nos territórios quilombolas urbanos, nos movimentos de mulheres negras, nas escolas de samba, nos terreiros, nas universidades e nas periferias. Seu exemplo de organização e poder político feminino preto serve como farol para a construção de um Brasil verdadeiramente antirracista e plural.
Leitura para quem quer mergulhar mais fundo
Beatriz Nascimento – O negro visto por ele mesmo (Fundação Palmares, 2007)
Sueli Carneiro – Escritos de uma vida (Companhia das Letras, 2023)
Jurema Werneck – O livro da saúde das mulheres negras (Pallas, 2006)
Hoje, dia 25 de julho, celebramos Tereza de Benguela. E com ela, celebramos todas as mulheres negras que carregam no corpo, na fala e na história o quilombo vivo da liberdade.
Porque nossos passos vêm de longe. E o futuro é agora.







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