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Assédio em Ônibus: O Caso de Raquel Possu

A Responsabilidade das Empresas de Transporte em Garantir um Ambiente Seguro para seus Passageiros e o Crime de Exposição de Dados

No dia 25 de março, a modelo e estudante de psicologia Raquel Possu, de 25 anos, denunciou ter sido vítima de assédio sexual durante uma viagem em um ônibus da empresa Nova Itapemirim, com destino ao Rio de Janeiro. O caso ganhou notoriedade após Raquel compartilhar um vídeo em suas redes sociais, relatando não apenas o assédio sofrido, mas também a omissão do motorista e a negligência das autoridades policiais que a atenderam.​


Raquel Possu
Raquel Possu - Reprodução/Internet

Raquel Possu: Denúncia Pública e Reações

Em seu relato, Raquel destacou a falta de apoio por parte do motorista do ônibus, que, segundo ela, não tomou medidas adequadas diante da situação. Além disso, apontou a negligência dos policiais que registraram a ocorrência, evidenciando uma cadeia de falhas no atendimento à vítima. A Nova Itapemirim, por sua vez, emitiu uma nota classificando a denúncia como "acusação infundada" e, de forma controversa, divulgou dados sigilosos do boletim de ocorrência, atitude que expôs ainda mais a vítima e gerou críticas de diversos setores da sociedade.​

Responsabilidade das Empresas de Transporte

A legislação brasileira estabelece que as empresas de transporte têm o dever de garantir a segurança e a integridade física e psicológica de seus passageiros. O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) prevê a responsabilidade objetiva dos fornecedores de serviços, o que significa que eles respondem pelos danos causados aos consumidores, independentemente de culpa.​

Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou esse entendimento ao decidir que empresas de transporte público podem ser responsabilizadas por atos de assédio sexual cometidos por terceiros dentro de seus veículos. No caso em questão, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) foi condenada a indenizar uma passageira que sofreu assédio em um de seus trens. A ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, afirmou que "a ocorrência desses fatos acaba sendo arrastada para o bojo da prestação do serviço de transporte público, tornando-se assim mais um risco da atividade".

Medidas Preventivas e Legislação Estadual

Diante da recorrência de casos de assédio em transportes públicos, o estado do Rio de Janeiro sancionou, em 2018, a Lei nº 7.856, que institui o Programa de Prevenção ao Assédio nos Transportes Coletivos Públicos e Privados. Essa legislação obriga as empresas de transporte a afixar cartazes nos veículos, estações e terminais, incentivando a denúncia e orientando os passageiros sobre como identificar e reportar agressores. Além disso, os materiais devem divulgar os contatos da Polícia Militar (190) e da Central de Atendimento à Mulher (180). ​

Divulgação Indevida de Dados Pessoais e Implicações Legais

Após denunciar o ocorrido em suas redes sociais, a empresa respondeu publicamente, classificando a denúncia como "acusação infundada" e divulgando dados pessoais de Raquel presentes no boletim de ocorrência. Essa ação expôs informações pessoais e sensíveis da vítima, gerando preocupações sobre a violação de seus direitos à privacidade e à proteção de dados pessoais.​

Nova Itapemirim divulga dados pessoais de vítima de assédio em ônibus
Reprodução/Instagram @novaitapemirim.oficial

Legislação Aplicável: LGPD e Direitos do Consumidor

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/2018, estabelece diretrizes sobre o tratamento de dados pessoais no Brasil, visando proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade dos indivíduos. De acordo com a LGPD, o tratamento de dados pessoais deve observar princípios como a finalidade específica, necessidade, transparência e segurança. A divulgação de dados pessoais sem o consentimento do titular, especialmente em situações que possam causar danos ou constrangimentos, configura violação desses princípios.

Sigilo em Casos de Crimes Sexuais: Proteção Legal e Consequências da Divulgação Indevida

No Brasil, a legislação assegura proteção especial à intimidade das vítimas e envolvidos em crimes contra a dignidade sexual. O artigo 234-B do Código Penal determina que processos relacionados a esses crimes tramitem sob segredo de justiça, visando preservar a privacidade das partes envolvidas. 

A divulgação não autorizada de informações sigilosas, como boletins de ocorrência contendo dados pessoais da vítima, constitui violação legal. Embora o artigo 10 da Lei nº 9.296/1996 trate especificamente da interceptação de comunicações telefônicas, a quebra de segredo de justiça em processos judiciais é passível de sanções conforme a legislação brasileira.​

Além disso, a recente Lei nº 14.857/2024 alterou a Lei Maria da Penha para assegurar o sigilo do nome das vítimas em processos judiciais relacionados a crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa medida reforça a proteção da identidade da vítima, enquanto mantém a transparência em relação ao acusado e ao andamento do processo. 

A divulgação indevida de informações sigilosas não apenas desrespeita os direitos das vítimas, mas também pode configurar infração legal, sujeitando os responsáveis a sanções previstas na legislação brasileira. É fundamental que autoridades, empresas e a sociedade em geral respeitem essas normas, garantindo a integridade e a dignidade das vítimas de crimes sexuais.

Nova Itapemirim divulga dados pessoais de vítima de assédio em ônibus
Reprodução/Instagram @novaitapemirim.oficial

O caso de Raquel Possu evidencia a necessidade urgente de medidas eficazes para prevenir e combater o assédio sexual nos transportes públicos e impedir a divulgação de dados das vítimas. As empresas têm a responsabilidade legal de assegurar a segurança de seus passageiros e devem ser responsabilizadas por omissões nesse dever. A implementação de políticas preventivas, aliada à conscientização e ao treinamento de funcionários, é essencial para criar um ambiente seguro para todos os usuários do transporte público.




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